Publicado em: 02/06/2008
O que não se pode mais ignorar, segundo pesquisadores que participaram do encontro, é que os exames de imagem já fornecem pistas se uma pessoa tem maior propensão de agir de forma violenta
Novos estudos em neurociência reforçam a tese de que lesões em áreas nobres do cérebro seriam responsáveis, em parte, por comportamentos anti-sociais. Os dados polêmicos foram apresentados no 4oCongresso Brasileiro Cérebro, Comportamento e Emoções, em Bento Gonçalves. Segundo pesquisadores, essas descobertas poderão contribuir para reduzir índices de criminalidade. Porém, estão preocupados com a possibilidade de seus estudos levem a preconceitos e a práticas de eugenia.
Outro risco seria criar regimes como o do filme "Minority Report", no qual os cidadãos são punidos antes mesmo de cometer um crime. O que não se pode mais ignorar, segundo pesquisadores que participaram do encontro, é que os exames de imagem já fornecem pistas se uma pessoa tem maior propensão de agir de forma violenta.
O dilema é o que fazer com essas informações. O neurocientista Adrian Raine, professor da Universidade da Pensilvânia, trabalhou quatro anos em prisões de segurança máxima. Entrevistou e analisou, por meio de exames de imagens do cérebro, 41 assassinos e serial killers. Seus estudos confirmaram que alterações e lesões em estruturas cerebrais, como lobo frontal, córtex pré-frontal e amígdala, afetam as emoções e mudam o comportamento.
Exames de indivíduos comuns e criminosos mostram que o lobo frontal, ligado ao controle das emoções e ao discernimento moral, é menos ativo em sociopatas.
- Pelo menos 43 estudos descrevem o mal funcionamento do cérebro de assassinos e psicopatas. Também a amígdala cerebral apresenta problemas em pessoas violentas. Há uma influência biológica importante que pode levar uma pessoa ao crime - diz.
Esse fator biológico poderia ser atenuado. Raine acredita nisso. Ele coordena outra pesquisa polêmica, há mais de 30 anos, com 1.800 meninos e meninas, desde os 3 anos, nas Ilhas Maurício, na costa leste da África. Separadas em grupos, eles foram submetidas à avaliação de condição nutricional, social, física e intelectual. Uma parte recebeu dieta rica em ácido graxo ômega 3 (refeições com peixes pelo menos três vezes na semana), praticou diariamente duas horas e meia de exercícios e teve reforço de atividade intelectual. Nesse grupo, numa primeira investigação aos 8 anos, as crianças já apresentavam menos agressividade. Nove anos depois, esses índices se matinham. Aos 23 anos, a redução de episódios violentos foi de 34%.
Condição social é fator essencial
Parece óbvio que dieta saudável, atividade física e educação de qualidade fazem o cérebro funcionar melhor. Mas Raine afirma que essas medidas são pouco conhecidas na prevenção de criminalidade. Na sua proposta o ômega 3 é essencial porque ativa as conexões entre neurônios, especialmente no lobo frontal. Só a deficiência de ômega 3 não leva ao mau comportamento, mas pode fazer a diferença: - Não significa estigmatizar.
Aos 3 anos o cérebro está numa fase crucial e o consumo de ômega 3 ajuda. Outro estudo americano com 250 meninos, publicado na revista "PLos Medicine", revelou que a exposição ao chumbo (muito usado em tintas) na infância ou gestação pode causar danos permanentes ao cérebro e levar a pessoa a ter comportamento violento.
Neurocientistas enfatizam que só os fatores genéticos ou as alterações cerebrais não determinam atos anti-sociais. É um conjunto de fatores que forma o quebra-cabeça da violência. Condições sociais, complicações no parto, rejeição materna, abuso na infância, mau tratos são algumas das peças.
- Há chance de mudar a base biológica da violência, mas é preciso cuidado com a eugenia. A História mostra que a biologia e a genética podem ser usadas de forma errada - comenta Raine.
Jorge Moll Neto, que concluiu pósdoutorado sobre o tema na Seção de Neurociência Cognitiva do Instituto de Nacional de Doenças Neurológicas e Derrame dos EUA, diz que se deve estudar o comportamento social como se pesquisa qualquer doença. Na sua opinião, não se trata de uma categorização fascista: - O objetivo da neurociência é entender as vulnerabilidades dos indivíduos e minimizar seus efeitos. A recomendação de melhorar a nutrição com óleo de peixe talvez faça diferença em populações mal nutridas. Em outros casos não. É preciso considerar vários fatores.
Num estudo em parceria com o neurologista Ricardo Oliveira e outros pesquisadores, Moll avaliou a anatomia do cérebro de indivíduos com alto grau de psicopatia, transtorno bipolar, esquizofrenia, distúrbios de comportamento anti-social. Comparados com indivíduos saudáveis, de mesmo sexo, nível educacional e mesma idade, os psicopatas apresentaram redução da substância cinzenta do cérebro em áreas estratégicas, envolvidas com os sentimentos e o julgamento moral, como o córtex pré-frontal. Neurocientistas acreditam que em alguns anos exames mais sofisticados poderão mostrar precocemente, com maior segurança, se alguns indivíduos têm maior predisposição a atitudes anti-sociais, independentemente de fatores ambientais e econômicos.
- Se a ciência conseguir identificar que uma criança tem alta chance de manifestar comportamento anti-social e não fizermos nada, seremos omissos - afirma Moll. - Mas não adianta se preocupar apenas com a questão genética ou biológica. É preciso investir em educação e livrar as crianças e jovens da exposição à violência.
O psiquiatra Gabriel Camargo, ex-diretor do manicômio judiciário de Porto Alegre (hoje Instituto Psiquiátrico Forense Maurício Cardoso), discorda em parte das afirmações de Raine. Ele afirma que a suscetibilidade de uma pessoa ao estresse, causado pelo seu papel social ou que lhe é dado, é a causa de alterações biológicas.
- Uma pessoa mais suscetível que vive sob estresse constante, por exemplo, por causa da miséria, corre mais riscos de sofrer alterações cerebrais, inclusive no córtex, e praticar atos violentos. O crime é um fenômeno social. Medidas de inclusão alimentar e educacional criam ambiente propício à redução da criminalidade - diz.