Publicado em: 08/07/2008
A Lei Seca, que instituiu níveis de tolerância de álcool próximos a zero, parece não assustar os curitibanos, mesmo com a ameaça de prisão. É o que indica um levantamento feito pela Paraná Pesquisas com 585 pessoas, todas maiores de 18 anos, com carteira de habilitação e que dirigiram veículo neste ano. Dentro deste universo, 42% dos entrevistados admitem pegar no volante depois de beber. E 66% não têm intenção de mudar seus hábitos de consumo de bebida alcoólica em função da nova legislação. Outros 54% não pensam em buscar transporte alternativo para voltar da balada.
A disposição em manter esses hábitos foi confirmada por um grupo de motoristas que, a convite da Gazeta do Povo, submeteu-se ao teste do bafômetro, na última quinta-feira. Dos nove condutores testados, sete foram reprovados. Todos estavam em bares e casas noturnas no Largo da Ordem, na Avenida Batel e no bairro Água Verde, em Curitiba.
tecnólogo em informática Rodrigo da Silva, 24 anos, foi o primeiro a encarar o bafômetro. Ainda no início da balada, ele já havia ingerido cinco copos de chope e, no teste, atingiu o limite para ser preso. Mesmo assim não se intimidou: "Vou continuar a beber. Depois desse teste vou para casa do mesmo jeito", comentou.
A mesma postura foi manifestada pelo comerciante Renato Silveira, 43 anos. Ele havia bebido cinco doses de cuba e pelo teste feito com o bafômetro descartável também seria preso caso fosse pego numa blitz de trânsito. "Desde os 18 anos eu faço isso (bebo e depois dirijo) e nunca me aconteceu nada", disse. As falhas na fiscalização são apontadas como incentivo para esse tipo de comportamento. Renato, por exemplo, diz que já foi parado em várias blitze, mas nunca foi submetido ao bafômetro. Há muita gente, porém, que nem sequer foi parada em blitz. Dos entrevistados pela Paraná Pesquisas, 40% afirmam nunca terem sido abordados em operações de trânsito.
Entre os entrevistados pelo instituto de pesquisas que pretendem mudar os hábitos de transporte para não correr o risco de multa ou prisão, a maior parte (44%) diz pensar em montar um esquema de rodízio com amigos e familiares ou usar táxi. O transporte coletivo foi escolhido como opção por apenas 7,52% dos motoristas ouvidos.
Medicamentos
Entre as sete pessoas reprovadas no teste do bafômetro, está a repórter Tatiana Duarte. Ela não consumiu bebida alcoólica, mas se submeteu ao exame 15 minutos após ingerir seis gotas de Floral, medicamento que contém álcool em sua formulação. O tempo, segundo especialistas, é o mínimo para que o álcool comece a circular na corrente sangüínea. Numa blitz, ela poderia ser presa.
O pesquisador do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa) Júlio de Carvalho Ponci explica que o floral é um dos produtos em que o álcool contamina a mucosa e muitas vezes nem é ingerido, como ocorre no caso dos enxagüantes bucais. "O ideal é bochechar a boca com água e esperar alguns minutos para assegurar que a mucosa fique livre de contaminação. Até porque o importante, segundo a lei, é medir a quantidade de álcool no sangue", afirma.
O pesquisador ainda explica sobre o metabolismo do álcool nos diabéticos. Em pessoas que sofrem de diabetes, uma das maneiras do organismo lidar com a falta de açúcar no sangue é produzir substâncias chamadas de "corpos cetônicas", que possuem a mesma volatilidade do etanol e poderiam aparecer no teste. "Mas não dá interferência nos bafômetros não-descartáveis", diz.
O Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) aguarda uma listagem de medicamentos a ser enviada pelo Ministério da Saúde. Com a lista, o Contran deve editar nova regulamentação com uma tolerância um pouco maior que a que consta na atual legislação.
* Os nomes dos motoristas citados nesta reportagem foram alterados a pedido dos entrevistados.
Mesmo sem operações especiais com foco na Lei Seca, a Delegacia de Trânsito (Dedetran) de Curitiba registrou aumento de 15% nas autuações relacionadas a álcool e trânsito. A comparação refere-se ao período compreendido entre 20 de junho e 2 de julho deste ano e os mesmos dias do ano passado. O delegado da Dedetran, Armando Braga, não soube explicar os motivos para o aumento e informou que a delegacia vai continuar mantendo apenas os trabalhos de rotina. "Na verdade, há algum tempo já trabalhávamos com a tolerância zero", afirma.
Bafômetros descartáveis podem ser vendidos em farmácias. De acordo com Vanessa Mano, responsável pelo departamento comercial da Higseg, uma das distribuidoras do modelo descartável Contralco no Brasil, a procura pelos etilômetros aumentou muito desde que a Lei Seca entrou em vigor.
Antes, o produto tinha baixa procura entre os motoristas. Mas, nas últimas semanas, o estoque de bafômetros descartáveis esgotou nas duas distribuidoras do país. "Tínhamos visitas em nosso site de no máximo 30 ou 40 pessoas físicas. Nos últimos dias, chegamos ao pico de 1,1 mil interessados", afirma Vanessa. Os bafômetros descartáveis são homologados pelo Denatran e podem ser utilizados como prova judicial. Cada um custa em torno de R$ 13. Já os bafômetros usados pela polícia custam R$ 10 mil.
A pesquisa de opinião pública realizada em Curitiba com o objetivo de consultar a população sobre a Lei Seca foi feita entre os dias 2 e 3 de julho. Foram ouvidas 585 pessoas, maiores de 18 anos, que possuem carteira de habilitação e que dirigiram algum veículo neste ano. A margem de erro é de 4 pontos porcentuais.