Curitiba é a cidade dos transtornos mentais

Publicado em:  22/09/2008

Distúrbios comportamentais representam 10,9% de todos internamentos no município. Em outras capitais, o índice não costuma passar de 5%

Ao longo desta campanha eleitoral, os candidatos a prefeito de Curitiba sempre ressaltaram a necessidade de construir mais unidades de saúde e de contratar mais médicos. Mas um dos grandes desafios para o próximo governante municipal é tentar reverter o alto índice de internamentos por transtornos mentais da cidade – um assunto que pouco apareceu no debate político. De acordo com os dados mais recentes do Sistema Único de Saúde (SUS), os distúrbios mentais e comportamentais foram as causas de 10,9% do total de internamentos na cidade em 2006, perdendo apenas para gravidez e parto, que somaram 17,1%.

Com esse desempenho, Curitiba pode ser considerada a capital brasileira dos transtornos mentais, que englobam todos os tipos de vícios – de drogas e de álcool são os mais comuns –, e doenças como depressão, esquizofrenia, síndrome do pânico, bipolaridade, problemas alimentares etc. Em nenhuma outra capital esses distúrbios foram a causa de tantos internamentos.

Distribuição percentual das internações

A gravidez e o parto são sempre o principal motivo para se procurar um hospital, e, nas outras capitais, na segunda e terceira colocação costumam figurar doenças dos aparelhos circulatórios ou respiratórios. Na maior parte das capitais, os transtornos não costumam passar de 5% das causas de internamento. Em São Paulo, o índice é de 3,3%. Já em Cuiabá, o porcentual chega a 2,8%; Recife tem 4,2%; e Manaus fica com 0,7% – só para citar uma capital por região.

Outro dado preocupante é a incidência de transtornos em boa parte da população economicamente ativa de Curitiba. Na faixa dos 20 aos 49 anos, eles foram a causa de 17,2% do total de internamentos – também perdendo apenas para parto, com 24,5%. Entre as outras capitais brasileiras, apenas o Rio de Janeiro também tem os distúrbios como segunda principal causa de internamento nesta faixa etária, mas em proporção bem inferior: 9%.

 

Absorção

De acordo com a diretora do Centro de Controle, Avaliação e Auditoria da Secretaria Municipal de Saúde, Anna Paula Penteado, Curitiba tem um grande número de leitos psiquiátricos e acaba absorvendo pacientes de regiões onde a oferta desse serviço é inexistente. Nas regionais de Saúde de Paranaguá e de União da Vitória, com sete e nove municípios, respectivamente, não há nenhum hospital psiquiátrico. Nos últimos anos, hospitais psiquiátricos de São José dos Pinhais (na região metropolitana) e Ponta Grossa (Campos Gerais) fecharam as portas – assim como o Hospital Nossa Senhora da Glória, em Curitiba.

Tudo isso é decorrência de uma política nacional de priorizar o atendimento psiquiátrico em hospitais-dia e nos Centros de Atendimento Psicossocial (Caps), os quais devem ser ofertados pelas prefeituras, o que representa a vitória da luta para que os pacientes não sejam trancafiados em manicômios.

Em Curitiba, há 538 leitos do SUS, o que representa quase 40% da oferta estadual. A cidade conta ainda com 390 macas de hospitais-dia e outros tantos de instituições privadas – a conta final é de 1,4 mil leitos destinados a pacientes psiquiátricos.

Mas a concentração de leitos em Curitiba não parece justificar o alto número de internamentos por transtornos. Em Salvador, por exemplo, onde estão 61% dos leitos psiquiátricos da Bahia, apenas 3,2% dos motivos que levaram as pessoas a permanecerem nos hospitais foram os distúrbios mentais.

Os dados do SUS sobre as causas de internamentos levam em conta o local de residência das pessoas, e não o local do hospital. Sabe-se que é comum pacientes de outras localidades emprestarem endereço de conhecidos como forma de fingirem que moram em Curitiba. Por isso os dados podem conter algumas imperfeições.

Ainda não há respostas claras sobre os motivos que levaram a cidade a se tornar a capital dos transtornos, mas algumas hipóteses apresentadas à reportagem, em entrevistas e conversas informais, apontam também para possíveis virtudes do sistema de saúde curitibano: a capacidade dos agentes do setor em detectar problemas e transtornos que em outras cidades não são diagnosticados.

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