Os homens estão ensinando os robôs a pensar usando a lógica difusa

Publicado em:  29/09/2008

A lógica diz que Sócrates era mortal (já que Sócrates era humano e todos os humanos são mortais), mas não diz se era alto ou baixo, nem se cobrava um salário digno ou se era abastado. Ser "alto" é um conceito difuso, e ensiná-lo a uma máquina requer um novo tipo de "lógica difusa" [ou lógica incerta]. O problema é importante porque a maioria das situações da vida real são difusas. Está calor ou 'está bom'? Quando pisar ou soltar o freio? O paciente tem gastrite? Há crise ou desaceleração?

 

"A lógica clássica aristotélica mostrou-se eficaz em ciências exatas como a matemática ou a física", diz o cientista da computação Jorge Elorza, da Universidade de Navarra. "Mas revela-se insuficiente quando as afirmações contêm imprecisão, incerteza ou ambigüidade, que é como funciona o raciocínio humano; a lógica difusa ajuda os programas informáticos a interpretarem juízos desse tipo".

 

Elorza cita como exemplo os critérios para diagnosticar a gastrite aguda: "dores difusas no estômago, náuseas com ou sem vômito e incômodos diversos". Para que os computadores ajudem no diagnóstico médico, devem se programados com a lógica difusa, mais semelhante à que os médicos aplicam nesses casos. "Trata-se de um computador com palavras em vez de números", diz.

 

Na lógica difusa, as coisas não são verdade ou mentira. Uma coisa pode ser 15% verdadeira (tecnicamente, seu "grau de verdade" é de 0,15). E as variáveis (ou categorias) não são números, mas nomes sem fronteiras precisas (faz calor, frio ou "estar normal"), e os operadores que os modificam são "bastante" ou "não muito".

 

Como qualquer um que trabalhe em escritório ou faça compras em grandes lojas, o fato de estar calor, frio ou normal são três coisas que podem ser verdade ao mesmo tempo. E, além disso, depende de quem responde.

 

Um termostato difuso examina os graus de verdade das três afirmações para decidir se coloca mais ou menos ar frio na sala. Isso, com certeza, elimina a clássica distinção entre otimistas e pessimistas, porque o copo já não está mais meio cheio ou meio vazio, mas está cheio com um grau de verdade de 0,5. E vazio na mesma medida. Se o copo estiver com três quartos de sua capacidade, é 0,75 verdade que está cheio, mas também é 0,25 verdade que está vazio.

 

As aplicações da lógica difusa na engenharia crescem com ímpeto. De fato, elas já fazem parte da vida cotidiana. "Minha lavadora é de uma das marcas que já usa a lógica difusa", diz Elorza. As duas marcas são AEG e Miele, e usam esses métodos de computação para controlar o programa de lavagem quando a roupa "não está muito suja": um conceito difuso.

 

A técnica também é usada nos sistemas de freio dos automóveis, no foco automático das câmeras fotográficas, no controle dos elevadores em prédios públicos, filtros de spam [mensagens indesejadas] e videogames. Os fabricantes não tornaram esses avanços públicos por uma razão evidente. "Freios controlados por uma lógica incerta" não é o tipo de mensagem capaz de vender mais carros.

 

Mas a má fama da lógica incerta ou difusa deve-se à má escolha do nome. O que é incerto não é a lógica - que tem uma definição matemática precisa - mas o mundo ao qual ela se aplica, incluindo nossa percepção de suas fronteiras e categorias.

 

"As máquinas codificam o que nós transmitimos a elas e calculam muito depressa, mas carecem de um menor grau de generalização", explica Elorza. "Os últimos avanços englobam métodos que, juntamente com a lógica difusa, giram em torno de redes neuronais e algoritmos genéticos, uma enriquecedora combinação de técnicas denominada de "soft computing". O conceito de soft computing, que pode ser traduzido como "computação leve" (ainda que ninguém o faça), foi introduzido na década passada pelo matemático azerbaijano-iraniano Lofti Zadeh, da Universidade de Berkeley. O próprio Zadeh havia inventado a lógica incerta nos anos 60 e 70. Os avanços posteriores nas redes neurais (programas que aprende pela experiência) e algoritmos genéticos (programa que evoluem com o tempo) pareceram a Zadeh um complemento idôneo para sua lógica incerta.

 

A combinação dessas ferramentas (denominada soft computing) permite que as máquinas aprendam a manejar conceitos difusos, muito ao estilo humano. O Congresso Espanhol sobre Tecnologias e Lógica Incerta, que aconteceu esta semana nos vales de mineração asturianos (Langreo-Mieres), já está em sua 14ª edição.

 

Um exemplo em que o soft computing conseguiu avanços notáveis é o reconhecimento da escrita manual. Trata-se de um grande problema para a computação convencional, porque é difícil imaginar uma descrição matemática precisa da letra "a" que abarque todos os "as" que as pessoas escrevem (e reconhecem). Mas o soft computing é capaz de manejar categorias como "mais ou menos um a". Lembrem-se que, na lógica difusa, uma coisa pode ser um "a" com um grau de verdade de 0,7, por exemplo. O sistema de reconhecimento da escrita apresenta muitas falhas com cada novo usuário, mas logo se adapta às peculiaridades de seus traços. Para isso servem as redes neurais.

 

As redes neurais são programas inspirados na biologia. São compostas de neurônios que recebem várias informações e as combinam para emitir uma só resposta, como os neurônios de verdade. E, assim como eles, modificam a força de suas conexões em função da experiência. Sua aprendizagem costuma ser "guiada", ou seja, baseia-se na comparação do resultado proposto pela máquina com a solução correta da vida real.

 

Esses programas não pretendem ser um modelo de funcionamento real do cérebro - tanto os neurônios individuais como suas conexões são uma caricatura da versão biológica -, mas são capazes de aprender com a experiência.

 

75% dos carros fabricados são equipados com o sistema de freios ABS. A Intel Corporation, gigante da fabricação de chips eletrônicos, é também um dos fornecedores de controles eletrônicos para o sistema ABS, e utiliza a lógica difusa. A função do ABS é manipular os freios para evitar que o carro patine. Um vasto encadeamento de silogismos aristotélicos não ajuda muito nessas situações, como sabe qualquer motorista. Os sistemas de visão artificial dependem bastante da lógica difusa. Para nós, parece fácil decompor uma cena visual em objetos distintos, mas delimitar suas fronteiras é uma questão complicada que nosso cérebro tem de resolver a cada segundo.

 

A fronteira real chega aos nossos olhos borrada pela imprecisão do foco, das sombras e contrastes. Várias interpretações podem ser verdade ao mesmo tempo, e é ponderado o grau de verdade com o qual a máquina decide. Nosso córtex visual também funciona assim. O mesmo vale para os sistemas de identificação facial, reconhecimento da fala e interpretação dos gestos, alguns aparelhos de diagnóstico médico e um número cada vez maior de aplicações financeiras.

 

A lógica difusa pode se vangloriar de uma origem venerável. Já faz 2.400 anos que Parmênides de Elea sugeriu que uma proposição poderia ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo. Platão, seu grande admirador, levou em conta a proposição e chegou a admitir uma terceira região entre os pólos da verdade e da mentira. Mas essas idéias tiveram que esperar por Zadeh para se cristalizarem numa forma matemática precisa, e portanto útil aos engenheiros.

 

A idéia de que o cérebro humano utiliza um mecanismo análogo à lógica difusa deve muito ao lingüista William Labov, fundador da sociolingüística moderna.

 

Labov demonstrou em 1973 que as categorias "xícara" e "tigela" são difusas no nosso cérebro: confundem-se uma com a outra, e seu uso depende mais do contexto e da experiência do falante do que do tamanho real do recipiente. Por exemplo, muitos sujeitos da experiência consideraram o mesmo recipiente como sendo uma xícara (se diziam a eles que continha café) e uma tigela (quando pouco tempo depois sugeriam a eles que servia para comer). A decisão entre os dois nomes depende também de outros fatores: ter uma asa, ser de cristal, estar sobre um pires e exibir um diâmetro que aumenta desde a base até a boca tiram pontos da "tigela" e empurram o falante para "xícara". O resultado de Labov é muito semelhante à lógica difusa: no nosso cérebro, um objeto pode ser uma tigela com um grau de verdade de 0,7 e uma xícara com um grau de verdade de 0,3. E esses graus se ajustam continuamente em função do contexto da experiência do falante.

 

A neurobiologia mais recente confirmou as idéias de Labov de uma forma inesperada, em uma série de experimentos que iluminaram o problema central da semântica - como atribuímos um significado às palavras? - e também um tema chave da filosofia da mente: o que são os conceitos, os símbolos mentais com os quais se tece o pensamento humano?

 

A idéia convencional é de que os conceitos são entidades estáveis, que se formam e são manipulados nas altas instâncias do córtex cerebral (os lóbulos frontais, agigantados durante a evolução humana). O conceito "flor" seria um autêntico "símbolo" pelo mesmo motivo que a palavra flor o é: porque se tornou independente de seu significado e pode ser manejado sem que se tenha uma flor à frente.

 

Mas os dados estão revelando que o símbolo e seu significado são, em grande medida, a mesma coisa para o nosso cérebro. Pensar em algo vermelho, ou até pensar de forma abstrata sobre a cor vermelho, ativa os mesmos circuitos cerebrais que ver a cor fisicamente.

 

Uma pergunta comum nos testes psicológicos é se dois desenhos diferentes representam duas orientações do mesmo objeto. Resolvemos o problema "girando mentalmente" o objeto, o que é esclarecido por um fato eloqüente: nosso tempo de resposta é diretamente proporcional ao ângulo que distingue um desenho do outro.

 

O laboratório de Herbert Bauer, em Viena, demonstrou no ano passado que a "rotação mental" é indissociável da atividade de uma parte do córtex motor, a mesma que usamos quando queremos mover um objeto de verdade. Trata-se, segundo Bauer, de "uma simulação interna da rotação real de um objeto".

 

Quando uma pessoa lê o verbo "pular" não apenas os seus lóbulos frontais se ativam, mas também as áreas que recebem a informação dos sentidos e os motores que regem suas ações. Os conceitos que manejamos se parecem menos com as definições da lógica formal do que com as verdades da lógica difusa: relativas, provisórias e tecidas com as fibras do mundo real.

 

Tradução: Eloise De Vylder

 


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