Criança ansiosa tem mais bruxismo

Publicado em:  04/01/2009

Pesquisa mostra que estudantes muito responsáveis têm duas vezes mais chance de ranger dentes à noite. Levantamento mostrou que 35,3% dos 652 estudantes avaliados têm o problema, que pode gerar sequelas como desgaste dentário

Pais de crianças muito responsáveis e que têm dificuldade para extravasar sentimentos como raiva e ansiedade devem ficar atentos ao seu comportamento depois que elas vão para a cama. Uma nova pesquisa mostra que aquelas que têm esse perfil são duas vezes mais propensas a desenvolver bruxismo do sono -hábito de ranger os dentes durante a noite- do que aquelas que não têm essas características.

O estudo, que será publicado na "International Journal of Paediatric Dentistry", foi desenvolvido com 652 crianças de idade entre 7 e 10 anos que estudam em Belo Horizonte.

No grupo avaliado, 35,3% tinham o problema -prevalência considerada alta pela dentista Júnia Serra-Negra, professora da Faculdade de Odontologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), que realizou o trabalho em parceria com o Departamento de Psicologia da universidade.

Não se sabe com exatidão a frequência do bruxismo na população geral, mas, segundo a literatura internacional, o problema acomete 13% dos adultos entre 18 e 29 anos, diz a dentista Maria Beatriz Gavião, professora da Faculdade de Odontologia de Piracicaba, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Acima dos 60 anos, a taxa cai para 3%.

Serra-Negra afirma que o bruxismo em adultos é bem explorado, mas que há poucos estudos que medem o impacto de fatores emocionais sobre o problema em crianças. "Vimos que a criança com esse hábito tem um perfil. Muitas são responsáveis, cumpridoras de tarefas e perfeccionistas. Elas tendem a ser ansiosas e têm dificuldade de lidar com a raiva. São mais contidas e, como mecanismo de liberar tensões, acabam rangendo os dentes", explica.

É bem assim que a médica Marley Lambert descreve seu filho Renan Lambert Pereira, 11. "Ele é responsável demais.

Só quer tirar A nas provas, quando tira um B já é um martírio. É muito preocupado e quer fazer tudo certinho", diz.

Quando Renan tinha quatro anos, ela notou que ele rangia os dentes à noite. "Ele fazia um barulho bem alto quando dormia. Parecia que os dentes iam se quebrar", lembra.

Sua dentista notou que ele já tinha um desgaste dentário importante. Pediu que usasse uma plaquinha de silicone para evitar que a sequela piorasse.

A irmã de Renan, Marianne, hoje com nove anos, desenvolveu o mesmo hábito aos três, mas com menor intensidade.

Hoje, ela não tem mais o problema. Renan ainda range os dentes eventualmente, quando vai dormir muito cansado.

Júnia Serra-Negra ressalta que o que se recomenda não é mudar o jeito da criança. "Ela não vai deixar de ser responsável, claro. A questão é aprender a lidar com os conflitos de um jeito mais "light". Pode ser necessário suporte psicológico." A dentista recomenda, ainda, não sobrecarregar os filhos de atividades e deixar que eles façam tarefas que tragam prazer.

As plaquinhas também podem ser usadas para relaxar a musculatura mastigatória e diminuir o desgaste, mas são paliativos e não devem ser utilizadas por crianças por longo período, para não interferir no desenvolvimento da arcada dentária, alerta Gavião.

 

Consequências

O bruxismo pode levar a desgastes nos dentes, dores musculares e problemas na gengiva, entre outras consequências.

"Quando começa na infância e continua na vida adulta pode gerar mais danos porque são muitos anos em que o processo acontece", diz Serra-Negra.

Segundo Gavião, estudos revelam que ao menos 35% das crianças com bruxismo do sono continuam com os sintomas na idade adulta. Outra consequência do hábito é a piora na qualidade do sono, que, nas crianças, está relacionada à saúde física, ao desenvolvimento intelectual e ao amadurecimento emocional.

Ela lembra que, além das questões emocionais, fatores morfológicos podem estar na origem do bruxismo. "Estudos mostram que crianças com mordida cruzada têm mais risco de apresentar bruxismo."

Desgastes nos dentes podem ajudar o dentista a suspeitar que a criança tem bruxismo, mas é preciso cuidado para diferenciar esse problema da chamada erosão ácida, cada vez mais comum devido ao grande consumo de refrigerantes e de bebidas cítricas. Também deve-se levar em conta que os dentes, principalmente os de leite, passam por desgastes naturais. "Os pais devem ficar atentos para ver se o filho tem o hábito", diz Gavião.


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