Publicado em: 15/01/2009
Parceria entre Estado e hospital Samaritano vai atender adolescentes entre 14 e 18 anos viciados em drogas e álcool
Novo programa utilizará modelo norte-americano que promete recuperação em 70% dos casos e oferece aula e orientação vocacional
São Paulo ganha no próximo dia 27 a primeira clínica pública de internação para adolescentes dependentes de álcool e drogas. O projeto, uma parceria do hospital Samaritano com a Secretaria de Estado da Saúde, pretende atender por ano até 120 jovens entre 14 e 18 anos. Nas clínicas privadas, a mensalidade para esse tipo de tratamento chega a custar R$ 15 mil.
A nova clínica, sediada em Cotia (Grande SP), utilizará técnicas do centro Chestnut, em Illinois (EUA), especializado em tratar adolescentes dependentes químicos. O modelo incorpora ao tratamento a participação da família -que tem acesso ilimitado ao jovem-, aulas dadas por professores do ensino público, atividades físicas e orientação vocacional.
A promessa é de recuperação em 60% a 70% dos casos, taxa superior às normalmente obtidas no Brasil. Segundo o Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas), os índices de recuperação não vão além dos 40%.
De acordo com José Antônio de Lira, superintendente corporativo do Samaritano, o tempo médio de internação na clínica será de um a três meses, e o tratamento levará em conta o tipo da droga, o tempo da dependência e o perfil do jovem. A obra custou R$ 1 milhão.
O encaminhamento do jovem será por meio das secretarias de saúde e educação e de conselhos tutelares. Não serão admitidos na clínica adolescentes infratores. "A ideia do programa é focar em um trabalho profilático, evitar que o adolescente dependente se envolva com a criminalidade", diz Lira.
Elitização
É uma decisão polêmica. Na avaliação do professor Elisaldo Carlini, do Cebrid, o risco que se corre é a "elitização" do programa. "O jovem com dinheiro tem família, advogado e, mesmo que cometa um ato infracional, o caso é encoberto. Já dependente pobrezinho vai roubar para sustentar o vício, não tem escapatória."
Levantamento da Fundação Casa mostra que o tráfico de drogas é o delito que mais cresceu entre os meninos de 12 a 14 anos. Representava 8% das infrações, em 2002, e passou para 34%, em 2008. A maioria se envolve com a criminalidade por conta da dependência química.
A modelo de internação também é questionado por Carlini. "Há uma tendência mundial de desinternação. Ela deveria ser sempre a última alternativa."
Para o pediatra Manfred Von Schaaffhausen, médico responsável pelo projeto, internações curtas que visem a desintoxicação e a retirada do adolescente do meio em que vive -que o expõe à droga- são benéficas.
Ele afirma que o principal desafio da clínica será a capacitação do jovem para lidar com a dependência e com a vida. "A desintoxicação é rápida, dois a quatro dias. Depois, o jovem precisa descobrir o que fazer, quais são suas inteligências e ser reinserido na sociedade."
Após ter alta da clínica, o jovem continuará recebendo acompanhamento de um grupo multidisciplinar (médicos, psicólogos e educadores) por dois anos. "Esse acompanhamento melhora muito as taxas de sucesso do tratamento", diz.
Segundo o secretário estadual da Saúde, Luiz Roberto Barradas Barata, a pasta estuda a implantação de serviços semelhantes destinados aos adultos. "Vamos avaliar o projeto, dimensionar a demanda e realizar os ajustes necessários."
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Programas têm pouca evidência de efetividade
Poucos programas de reabilitação no Brasil ou no exterior têm evidências científicas de serem realmente eficazes. Como não há diretrizes padronizadas na área, cada clínica tem sua própria filosofia e são raros os centros que se dedicam às pesquisas científicas e à publicação de dados sobre a taxa de sucesso de seus participantes.
Nos EUA, alguns Estados têm exigido que os programas de reabilitação beneficiados por recursos públicos usem técnicas comprovadamente eficazes em estudos. Em Oregon, por exemplo, 54% do orçamento (de US$ 94 milhões) para serviços de tratamento a dependentes são direcionados a programas que empregam técnicas baseadas em evidências.
Por ano, o governo americano gasta mais de US$ 15 bilhões -e os planos de saúde outros US$ 5 bilhões- em tratamentos para a dependência de substâncias para mais de 4 milhões de pessoas.
Entre os tratamentos prescritos, estão drogas como naltrexone, para dependência de álcool, e buprenorfina, para dependência de narcóticos, e técnicas de psicoterapia e de terapia de comportamento cognitivo -na qual os dependentes aprendem a questionar suposições que reforçam seus hábitos (como "eu sou um caso perdido") e participar de atividades não-relacionadas a drogas e interesses criativos.