Publicado em: 26/02/2009
João Alberto Carvalho
Psiquiatra
O suicídio representa um sério problema de saúde pública. Em termos globais, a mortalidade aumentou 60% nas últimas quatro décadas. Nesse período, os maiores coeficientes desta causa de morte migraram da faixa mais idosa da população para a mais jovem. Na maioria dos países, o suicídio tem se situado entre as dez causas mais comuns de óbito e entre as duas ou três mais frequentes em adolescentes e adultos jovens. O Brasil segue a mesma tendência mundial, apesar de deter índices inferiores.
No Brasil, a cada hora uma pessoa morre por suicídio. Apesar de menor, o número é chocante e alarmante: para cada óbito por suicídio, há no mínimo cinco ou seis pessoas próximas ao falecido, cujas vidas são profundamente afetadas emocional, social e economicamente. Trata-se, definitivamente, de um problema de saúde pública. Em certas cidades e regiões, bem como em alguns grupos populacionais (como, por exemplo, jovens em grandes cidades, indígenas do Centro-Oeste e do Norte e entre lavradores do interior do Rio Grande do Sul), as cifras se aproximam ou superam a de países do leste europeu e da Escandinávia. Os coeficientes de suicídio têm aumentado em nosso país, notadamente entre jovens e adultos jovens do sexo masculino.
Outro alerta: estima-se que o número de tentativas de suicídio supere o de suicídios em pelo menos dez vezes. O primeiro estudo de base populacional que fez um levantamento sobre a dimensão de ideias, planos e tentativas de suicídio em países em desenvolvimento foi organizado pela Organização Mundial da Saúde, tendo o Brasil como um dos países participantes. Segundo este estudo, na área urbana do município de Campinas, ao longo da vida, 17,1% das pessoas "pensaram seriamente em por fim à vida", 4,8% chegaram a elaborar um plano para tanto e 2,8% efetivamente tentaram o suicídio.
Fatores ligados à violência e à falta de expectativa de vida impulsionam a incidência do suicídio, que costuma acontecer quando um problema psiquiátrico é somado a alguma forma de estresse intenso. Apesar de o suicídio envolver questões socioculturais, genéticas, psicodinâmicas, filosófico-existenciais e ambientais, na quase totalidade dos casos um transtorno mental encontra-se presente, o que denota a possibilidade de prevenção, caso haja tratamento da causa.
Uma revisão sistemática de 31 artigos científicos publicados entre 1959 e 2001, englobando 15.629 suicídios na população geral, demonstrou que em 97% dos casos caberia um diagnóstico de transtorno mental na ocasião do ato fatal sendo que doenças com potencial de desencadear ação suicida, como dependência química e depressão, têm tratamentos que podem resultar bem-estar e a cura ao paciente.
No Brasil, até há pouco tempo, o suicídio não era visto como um problema de saúde pública. Entre as causas externas de mortalidade, encontrava-se na sombra dos elevados índices de homicídio e de acidentes com veículos, sete e cinco vezes maiores, em média e respectivamente. No entanto, a necessidade de se discutir a violência, de modo geral, trouxe à tona o problema do suicídio.
No final de 2005, o Ministério da Saúde montou um grupo de trabalho com a finalidade de elaborar um Plano Nacional de Prevenção do Suicídio, com representantes do governo, de entidades da sociedade civil e das universidades. Em agosto de 2006, foi publicada uma portaria com as diretrizes que deverão orientar tal plano, cujos principais objetivos são: desenvolver estratégias de promoção de qualidade de vida e de prevenção de danos, promover a educação permanente dos profissionais de saúde de acordo com os princípios da integralidade e da humanização, além de informar e sensibilizar a sociedade de que o suicídio é um problema de saúde pública e que pode ser prevenido.
São boas notícias, que tiram o suicídio da penumbra da negação e do tabu, para encará-lo como um problema de saúde pública. Mas é preciso ir além. Na saúde mental brasileira, trocou-se um modelo obsoleto, centrado no hospital, por outro também centrado em um único serviço - os milhares de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) espalhados pelo país, incapazes de atender na totalidade as necessidades dos pacientes com transtornos mentais. É imperativa a criação de uma Rede de Atenção Integral em Saúde Mental que efetivamente atenda as necessidades dos pacientes em todos os níveis de assistência.
Há, hoje, considerável informação a respeito do que, em vários países, já foi feito para a prevenção do suicídio, do que deu certo e do que não funcionou. Já temos evidências científicas disponíveis. Agora é esperar o esforço final do Poder Público para fazer do Brasil o primeiro país da América Latina a elaborar e a executar ações de prevenção do comportamento suicida.
João Alberto Carvalho é presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)