Publicado em: 24/03/2009
Número é considerado ainda alto por estudo que aponta o cinema como responsável por 52% da indicação ao cigarro entre os jovens. Um estudo divulgado no mês passado nos Estados Unidos revelou que, apesar das campanhas antitabagistas terem ganhado fôlego nos últimos anos, o cinema hollywoodiano pode ainda estar bastante impregnado pela fumaça dos cigarros. De acordo com a pesquisa "Smoking Presentation Trends in U.S. Movies 1991-2008" (tendências na apresentação do fumo em filmes dos EUA de 1991 a 2008), o cigarro ainda aparece em cerca de 60% das produções, independentemente da classificação indicativa. O número, referente ao ano de 2008, é considerado alto pelos pesquisadores, especialmente levando em cionta o público adolescente. Eles estimam que 52% da iniciação ao fumo entre jovens se deva às imagens de cigarro na telona. Feito pela Universidade da Califórnia, em San Francisco, o estudo analisou 1.769 títulos produzidos em 18 anos e sugere como "solução" adotar a classificação indicativa "R", segundo a qual filmes com cenas de cigarro só poderiam ser vistos por menores de 18 anos se acompanhados de seus pais ou de responsável. Em entrevista por e-mail à Folha, Jonathan Polansky, um dos três pesquisadores que assinam o estudo, disse que na última década houve uma redução geral do número de filmes que veiculam fumo. Isso porque os estúdios vêm produzindo mais filmes "para a família", isto é, voltados para o público infantil e, por isso mesmo, 100% sem cigarro. "A preocupação é que pouco ou nada mudou em filmes "PG13" [não recomendado para menores de 13], a maior categoria e o tipo de filme que adolescentes mais vêem", diz. Polansky explica que a estimativa de que 52% da iniciação ao fumo, entre jovens, se deve às imagens de cigarro na telona, é fruto de uma pesquisa da Dartmouth Medical School, de New Hampshire. Reconhecido pelo U.S. National Cancer Institute (instituto nacional do câncer dos EUA) em um documento apresentado em 2008, o levantamento foi acrescentado às conclusões de Polansky: "Os adolescentes americanos vêem mais filmes do que qualquer outro grupo etário. E a influência da imagem do fumo na tela é muito poderosa", afirma Polansky. "A combinação da exposição em larga escala com uma influência poderosa explica por que boa parte da iniciação é atribuída aos filmes." O psiquiatra Jairo Bouer, colunista da Folha, concorda que as imagens veiculadas no cinema, na TV e na propaganda são incentivadoras de comportamentos entre os jovens. Para ele, no entanto, a restrição a imagens de cigarro no cinema, ou a mudança na classificação indicativa, somente em teoria diminuiriam a "cópia": "Poderia ser um fator a menos, mas acho que o cara não vai deixar de fumar porque não viu no cinema. Há outros estímulos, como a família, a escola e os amigos", diz Bouer. Classificação indicativa Nos EUA, incluir ou não o fumo nos critérios de classificação indicativa seria uma decisão da Motion Picture Association of America, que representa os principais estúdios. Em 2007, a MPAA chegou sinalizar que o faria, ao associar-se a uma "coalizão" de empresas de entretenimento contrárias à imagem de cigarros nas telas. "A informação que temos é que a MPAA iria anunciar a classificação "R" para filmes com cigarro naquele ano, mas um estúdio grande acabou esmagando a nova política no último minuto", diz Polansky, sem revelar qual estúdio teria feito o lobby contrário. Até o fechamento desta edição, a reportagem da Folha não havia recebido comentário solicitado aos representantes da MPAA no Brasil. Liberdade de expressão A defesa da inclusão das imagens de cigarro entre os critérios de classificação coloca outra questão: a dos limites da liberdade de expressão de roteiristas, diretores etc. Polansky afirma que atualmente produtores e diretores deliberadamente "calibram" o conteúdo dos filmes de olho no mercado. Aceitar uma classificação mais restrita ou tirar cenas com cigarro faz parte do que ele chama de "mecanismo voluntário de mercado". "E é uma questão de saúde pública. Não de gosto ou moral". Em outubro do ano passado, o veterano crítico de cinema Roger Ebert, do "Chicago Sun-Times", disse em seu blog que, apesar de "odiar cigarros", defende as cenas com fumo no cinema em pelo menos dois casos: como traço característico do personagem ou marca da época em que a ação se passa. Ebert também ironizou a proposta de restrição, ao lembrar as cenas com fumo que foram cortadas de "Casino Royale", reproduzindo uma entrevista em que o 007 Daniel Craig lamentava ter podido "estourar os miolos de alguém", mas não acender um bom charuto.