Publicado em: 14/04/2009
Baixo salário e más condições de trabalho afastam profissionais na Região Metropolitana
Se você, leitor, um dia sofrer um acidente na Barra da Tijuca, Campo Grande ou qualquer outro bairro da Zona Oeste e sua vida depender de uma neurocirurgia urgente, precisará de reza forte - como precisou, domingo, o vigia José Marcos Gomes, 34, que ainda teve o laudo extraviado depois de viajar do Hospital Pedro II, em Santa Cruz, ao Adão Pereira Nunes, na Baixada Fluminense, para conseguir fazer o exame. Como ele, mais de 2 milhões de habitantes da região estão isolados no mínimo a 60 quilômetros de distância do neurocirurgião mais próximo. Na Região Metropolitana, a especialidade existe em apenas seis unidades, metade na rede municipal e outra na estadual. Numa delas, um neurocirurgião chega a fazer um parecer a cada 10 minutos - se não precisar dedicar-se a uma cirurgia que pode durar até quatro horas.
De cada 10 pacientes que precisam com urgência de um neurocirurgião, apenas um consegue se salvar, segundo o presidente do Conselho Distrital de Saúde da Zona Oeste, Adelson Alípio. Várias ações foram impetradas no Ministério Público, mas - assim como os governos - não houve solução.
- São mais de 2 milhões de pessoas sem assistência médica de urgência. É um crime cometido diariamente - comentou Adelson. - O paciente, na situação delicada, tem de percorrer no mínimo 60 quilômetros de uma emergência a outra que possua neurocirurgia.
Na rede municipal, apenas os hospitais Souza Aguiar, no Centro, Miguel Couto, na Gávea, e Salgado Filho, no Méier, possuem a especialidade. Na estadual, a subsecretária de Atenção à Saúde, Hellen Miyamoto, explicou que o governo decidiu concentrar o serviço nos hospitais Getúlio Vargas, na Penha, e Azevedo Lima, em Niterói, além do Adão Pereira Nunes, em Caxias - a fim de "garantir o atendimento integral dos pacientes que necessitam".
A subsecretária ressalta que os demais hospitais da Zona Oeste (Albert Schweitzer e Rocha Faria) continuam "acolhendo todos os casos". O tratamento, porém, acaba ficando sobrecarregado nas mãos dos poucos neurocirurgiões que ainda restam.
Segundo o vice-presidente da Sociedade de Neurocirurgiões do Rio, Júlio Thomé - também chefe de neurocirurgia do Getúlio Vargas - a cada plantão de 24 horas são feitos, em média, 120 pareceres (o que corresponde a ver o paciente, prescrever e definir o tratamento). Ou seja: pouco mais de 10 minutos dedicados a cada doente, isso se ele não precisar de cirurgia.
- Após uma cirurgia, tenho mais de 30 pacientes à espera - contou. - Por isso, muitos especialistas, e não só de neurocirurgia, aguentam ficar apenas dois, três meses.
As dificuldades têm até desestimulado a formação de novos profissionais. Para se tornar neurocirurgião, o médico tem de fazer cinco anos de residência - o mais longo período de especialização. Thomé acredita que o número de novos profissionais vem diminuindo. Ele credita isso aos baixos salários e ao volume e às condições de trabalho.
No Getúlio Vargas existem 13 neurocirurgiões - o que equivale a dois médicos por dia, às vezes um. Ao todo, o estado tem 160 neurocirurgiões "entre contratos temporários, concursados e cooperativos". Existem hoje 75 vagas. No último processo seletivo, 26 se inscreveram, 13 foram aprovados e apenas dois quiseram tomar posse.