Quem sabe falar não precisa bater

Publicado em:  30/04/2009

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[...] Usando a fala, dom do córtex pré-frontal, podemos educar nossos filhos

de forma pacífica, sem recorrer à força bruta

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Eu fiquei chocada.

Segundo a pesquisa do epidemiologista Paulo Nadanovsky, da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), 16% das mães admitem bater nos filhos pequenos, beliscá-los, puxá-los, empurrá-los -enquanto só 5% dos pais, segundo elas mesmas, fazem isso. Ou seja: a principal fonte de violência física não fatal contra crianças são... suas próprias mães.

Descobri o estudo no Simpósio de Psicologia Evolucionista, ocorrido na semana passada, em Natal. Esse ramo da psicologia se preocupa em entender a origem evolutiva de nossos comportamentos, por exemplo por seu valor adaptativo.

Considere o infanticídio, perpetrado, em sua maioria, por pais que não têm certeza da paternidade e por padrastos. Em humanos e não humanos, esse comportamento vil é, desafortunadamente para as mães e as crianças, adaptativo para o macho -que, ao matar o filho que não é seu, passa a ter mais chances de deixar sua própria descendência com a fêmea que deixou de ser mãe.

Paulo mostrou que mães que moram com o padrasto das crianças são ainda mais frequentemente violentas: 31% delas admitem bater nos filhos. Como isso poderia ser adaptativo, um comportamento favorecido pela evolução? Talvez por, de forma torta, proteger os filhos do padrasto, evitando um espancamento que, se acontecer, tem boa chance de ser letal. Até faz sentido. Mas nada justifica o uso de violência por até um terço das mães contra seus filhos, por favor.

Penso, então, que talvez estejamos diante de uma daquelas heranças até adaptativas para outros animais, mas agora desnecessária para nós -por uma razão simples: nós temos linguagem.

Pense bem: se você é uma égua ou uma macaca e seu filho faz o que não deve, talvez a única forma de protegê-lo ou repreendê-lo seja, de fato, um puxão de orelha, um empurrão ou outra forma de contenção física. Mas, se você é humana e sabe falar... a violência não é mais necessária. Usá-la é deixar aflorar o nosso lado irracional, herdado de ancestrais mudos.

Usando a fala, dom do mesmo córtex pré-frontal que nos torna flexíveis, podemos resolver conflitos, educar e proteger nossos filhos de maneiras pacíficas, sem precisar recorrer à força bruta, e ainda lhes concedemos o benefício de crescer mais saudáveis, sem estresses causados pelos próprios pais, e, sobretudo, sem medo destes. Quem sabe falar não precisa bater.

Artigo escrito pela neurocientista, professora da UFRJ e autora do livro "Fique de Bem com o Seu Cérebro" (ed. Sextante) e do blog "A Neurocientista de Plantão", SUZANA HERCULANO-HOUZEL

 


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