SP descumpre lei sobre leitos psiquiátricos

Publicado em:  10/07/2009

Pelos princípios da reforma psiquiátrica feita no país em 2001, os hospitais gerais são a alternativa à internação nos hospitais psiquiátricos. Porém, para o promotor Reynaldo Mapelli Júnior, que coordena trabalhos com saúde pública, "o governo está extinguindo as vagas em hospital psiquiátrico e praticamente não oferecendo quase nada em troca".

O Ministério Público de São Paulo está instaurando inquéritos civis em todo o Estado para apurar o não cumprimento de uma lei estadual que obriga todos os hospitais gerais que integram o SUS (Sistema Único de Saúde) a implantarem leitos psiquiátricos.

Sancionada em 2005, a lei 12.060 previa três anos para a implantação dos leitos em São Paulo - o prazo de adequação se encerrou em setembro de 2008.

Segundo levantamento no CNES (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde), São Paulo tem hoje 744 hospitais gerais, mas apenas 60 oferecem leitos de psiquiatria pelo SUS. Presentes em 41 das 645 cidades do Estado, esses hospitais têm, ao todo, 692 leitos.

O promotor Reynaldo Mapelli Júnior, que coordena trabalhos com saúde pública, afirma que o resultado dos inquéritos pode levar o Ministério Público a fazer um termo de ajustamento de conduta obrigando à implementação dos leitos ou, caso isso não ocorra, ajuizar uma ação civil pública.

No final de 2007, o CRM (Conselho Regional de Medicina) de São Paulo chegou a enviar documento ao governador José Serra (PSDB) pedindo a regulamentação da lei, que deveria ter ocorrido 90 dias após a sanção. Segundo o psiquiatra Mauro Aranha, até hoje o CRM não obteve resposta.

Para Maurício Lucchesi, psiquiatra da Universidade de Taubaté, falta vontade política, por parte da Secretaria da Saúde, para a implantação dos leitos. O governo estadual diz ter criado um grupo para estudar o assunto.

 

Reforma

Pelos princípios da reforma psiquiátrica feita no país em 2001, os hospitais gerais são a alternativa à internação nos hospitais psiquiátricos.

Para o promotor, porém, "o governo está extinguindo as vagas em hospital psiquiátrico e praticamente não oferecendo quase nada em troca".

Para Maurício Lucchesi, a internação em hospitais gerais apresenta vários benefícios em relação aos hospitais psiquiátricos, desde a redução do estigma do doente até a transparência no tratamento. "Ninguém vê o que fazem dentro de um hospital psiquiátrico, mas no hospital geral o tratamento é visto por outras pessoas e profissionais de várias áreas", diz.

No nível federal, apesar de ter assinado portaria sobre o tema em 2008, o Ministério da Saúde reconhece uma participação pequena dos hospitais gerais na saúde mental.

 

Internação psiquiátrica é via-crúcis de doentes

Após um mês de surto psicótico causado por drogas e esquizofrenia e sem conseguir internação, Carlos (nome fictício), morador de Cotia (Grande SP), enforcou-se em casa. O suicídio, relatado pelos irmãos, ocorreu no último 17 de março, quando Carlos faria 25 anos.

A situação ilustra um gargalo da saúde mental pública oito anos após a reforma da assistência psiquiátrica de 2001, que vem fechando hospitais psiquiátricos para priorizar o atendimento comunitário dos Caps (Centros de Atenção Psicossocial).

Em 1998, houve 167 moradores de Cotia em internações psiquiátricas por grupo de 100 mil habitantes, segundo dados do Ministério da Saúde. Em 2007, o número caiu para 28,8.

A cidade tem um Caps, mas ele não é preparado para internação. Ficar em outro município depende da central de vagas da Secretaria de Estado da Saúde, que pode demorar até uma semana para liberar leito, de acordo com Messias Padrão, psiquiatra que atendeu André.

A Secretaria da Saúde disse só ter registros de pedidos de internação de Carlos nos dias 2 e 4 de março e que, diante da dificuldade de achar leitos, foi feito um pedido à secretaria da capital. Esta relatou desconhecer pedidos relativos ao paciente.

Vida melhor

Para algumas pessoas, o atendimento psiquiátrico começa a melhorar. É o caso de Aparecida Gonçalves de Oliveira, a Cida, que, pela primeira vez em seus 62 anos, tem uma casa, após uma vida toda entre orfanatos e hospitais de SP.

Ela e mais sete mulheres moram em uma das 19 residências terapêuticas da cidade, serviço do governo em que casas comuns são destinadas a quem ficou muito tempo em hospitais. Cida mudou-se em 2008 para a casa em Pirituba (zona norte).

Hoje, ela se nega a falar do passado e prefere contar da vida atual e das idas ao bairro da Lapa (zona oeste), onde compra "roupas, almoço e botas".

 

OUTRO LADO

Grupo estuda regulamentação, diz secretaria

Por meio da assessoria de imprensa, a Secretaria de Estado da Saúde informou ter sido criado um grupo técnico que está debatendo a regulamentação da lei para dimensionar o número de leitos psiquiátricos que precisam ser criados em São Paulo.

A assessoria não informou, porém, quando o grupo foi criado nem o prazo para que chegue a uma conclusão.

Em entrevista à Folha de São Paulo, a coordenadora da área de saúde mental da Secretaria da Saúde, Regina Bichaff, disse considerar "complicado que todo hospital geral tenha leito psiquiátrico, pois não existe equipe em todos".

O Ministério da Saúde informou que o grupo do governo federal de trabalho sobre saúde mental em hospitais gerais apresenta sugestões "que vão sendo analisadas e incorporadas progressivamente".


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