PF procura o DNA da droga

Publicado em:  22/07/2009

Tráfico

Análises com a cocaína, e agora com as drogas sintéticas, podem definir rotas e locais de produção

Um pequeno laboratório, que funcionava de forma discreta nos fundos de uma casa em um bairro residencial de Pinhais, região metropolitana de Curitiba, é a nova pista da Polícia Federal (PF) no combate às drogas sintéticas no Brasil. Em julho do ano passado, uma equipe de oito agentes da PF fechou o laboratório e prendeu os dois responsáveis pelo local, com o perfil tradicional do traficante de ecstasy: jovens, com formação universitária e bom trânsito em festas e bares de classe média. O depoimento dos dois, como é de praxe nas investigações de tráfico, foi importante para estabelecer conexões de compra e venda do material e da droga. O diferencial está no minucioso trabalho realizado por peritos da PF no laboratório.

Apesar de outros locais destinados a produzir ecstasy no Brasil já terem sido estourados, essa foi a primeira vez que técnicos da PF tiveram oportunidade de se desdobrar sobre um laboratório apto a produzir a droga em grandes quantidades. É a partir dessa análise que dois órgãos da PF – a Divisão de Controle de Produtos Químicos e o Instituto Nacional de Criminalística – pretendem dissecar as pílulas de ecstasy made in Brazil. "É como se descobríssemos o DNA da droga no país", explica o farmacêutico Marcos de Almeida Camargo, que já foi chefe do Instituto Nacional de Criminalística e hoje atua na repressão a drogas sintéticas na Divisão de Controle de Produtos Químicos. Camargo falou com a reportagem da Gazeta do Povo por meio da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais.

Na prática, conhecer o tal DNA dá um novo alento a um trabalho de investigação que, no Brasil e no mundo, ainda utiliza basicamente as mesmas armas: grampos, denúncias anônimas, delação premiada e habilidade dos investigadores. A lógica do DNA da droga é simples. O ecstasy e as outras drogas sintéticas são feitas em laboratório, utilizando certas técnicas e uma série de produtos químicos. A maioria desses produtos tem sua venda controlada no Brasil. As empresas químicas e farmacêuticas que os utilizam precisam prestar contas à própria PF. "Nesse ponto temos uma das legislações mais modernas do mundo, que nos permite realizar esse trabalho", afirma Camargo (leia texto abaixo).

Controle monitora 146 substâncias

O Brasil possui uma legislação de controle sobre produtos químicos desde a metade da década de 90. Foi em 2003, porém, que a lei ganhou a cara que tem hoje. É a portaria 1274/03 do Ministério da Justiça, somada à lei 10357/01, que rege a comercialização dos produtos no Brasil. "Os produtos químicos foram escolhidos mediante as análises que mostraram o perfil básico das drogas", diz o perito da Polícia Federal Marcos de Almeida Camargo.

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A partir dos desvios desses insumos foi possível a um ex-estudante de Química produzir ecstasy de qualidade similar aos produtos mais disputados na Europa por cerca de R$ 0,50 o comprimido, com cada unidade sendo vendida a R$ 50, em média.

Estruturado de forma artesanal – com uma prensa comprada em um ferro-velho e um sistema de bombeamento da água e formação de vácuo feito com tubos de PVC, uma mangueira de silicone, um galão de água mineral e gelo –, o laboratório de Pinhais chamou a atenção dos peritos da PF pela engenhosidade. "Eles utilizavam um método extremamente eficaz, barato e criativo", conta Camargo.

No local foram encontrados mil comprimidos de ecstasy. Mas havia material para produzir outros 2 mil (praticamente a mesma quantidade apreendida em todo o país em 2007).

A Divisão de Controle de Produtos Químicos está debruçada justamente sobre a origem desses produtos. São substâncias de venda controlada, que acabam vindo exatamente de quem possui autorização da PF para usá-los. As investigações da PF mostram que os desvios são feitos de várias maneiras: desde funcionários cooptados pelos traficantes em empresas idôneas até empresas de fachada, abertas apenas para revender o material ao tráfico.

Segundo o perito, as empresas que lidam com material controlado são obrigadas a emitir relatórios mensais. Agora, além desse controle administrativo, está sendo feito um trabalho de averiguação criminal. "Já fizemos prisões em São Paulo de gente que nunca vendeu drogas, mas que passou produtos químicos, de forma ilegal, para produção de drogas. Essas pessoas foram condenadas e receberam penas tão grandes como a dos traficantes."

O trabalho feito com as drogas sintéticas na PF começou com a cocaína há algum tempo, sob o nome de Projeto Pequi. Segundo o chefe do Departamento de Repressão a Entorpecentes da PF no Paraná, delegado Wágner Mesquita, o trabalho dos peritos garante informações fundamentais sobre a droga. "Conseguimos saber em que época e onde essa cocaína foi plantada e quais outras substâncias foram adicionadas a ela." As duas principais substâncias utilizadas no "batismo" da cocaína são controladas: cafeína e lidocaína.

Em alguns estados, trabalhos similares já são realizados pelas polícias estaduais. "Temos um acervo com 140 mil produtos químicos. Com uma amostra da droga, podemos saber como ela foi feita", diz o toxicologista Pedro Germano de Camargo, da Polícia Científica do Paraná.

Em São Paulo, um trabalho do Instituto de Criminalística conseguiu rastrear a origem da maconha consumida nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. "Características do solo e do ar presentes em diversas mostras de maconha mostram que a maconha que chega aqui é plantada no Paraguai", afirma Osvaldo Negrini, chefe do Laboratório do Instituto de Criminalística de São Paulo.

O objetivo é unir esses bancos de dados e atingir um grau de precisão ainda inédito em todo o mundo. "Queremos apreender droga no Maranhão e poder, pelas análises, dizer onde e quando foi produzida."


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