Um "barato" nada legal

Publicado em:  23/07/2009

NEUROCIÊNCIA

 

[...] O "legal" dessas drogas é resultado de uma falha na legislação, que regulamenta substâncias por fórmula, e não por classe farmacológica

 

A mídia popular descobriu que falar positivamente de drogas vende revistas -vide o número de vezes em que a maconha foi reportagem de capa nas bancas. Dois domingos atrás, um jornal carioca resolveu explorar o assunto em grande estilo e publicou uma reportagem sobre a nova onda europeia: as drogas "legais" ou "legal highs", substâncias sintéticas fabricadas em laboratório para reproduzir os efeitos de maconha, cocaína, ecstasy e LSD - mas que, como tecnicamente não são cocaína ou suas primas, não são proibidas.

Não deu outra: no domingo seguinte, já havia um indivíduo agradecendo à revista publicamente, com nome e sobrenome, por agora poder usar drogas legais para fritar seu cérebro (o "fritar" é por minha conta). Que legais, que nada: apenas "não ilegais" (ainda), na minha opinião.

Primeiro, porque o "legal" dessas drogas é resultado de uma falha na legislação, que regulamenta substâncias por fórmula, e não por classe farmacológica (sim, já me alertaram para o fato de que tudo o que não é previsto como ilegal por lei é tecnicamente legal -mas a regulamentação das "legal highs" é apenas uma questão de tempo, porque até os governos europeus já notaram a falha).

Segundo, porque qualquer substância para consumo humano precisa ser regulamentada -ou farmácias venderiam o que bem entendessem a quem quisesse comprar. Para isso, existem os testes clínicos e de segurança, que várias vezes retiram de circulação até remédios autorizados anteriormente.

E terceiro, porque, dada a regulamentação rígida dos medicamentos, dizer que uma droga é legal dá a entender, equivocadamente, que ela é segura. Nesse caso, o que as torna "legais" é justamente desconhecimento - em farmacologia, sinônimo de insegurança. Além do mais, para dar os efeitos que os usuários buscam, as "legal highs" devem ser similares em ação às substâncias originais e, portanto, com o mesmo potencial de estrago: vício, perdas sociais e financeiras, danos a terceiros, overdose e morte. Por isso, prefiro chamá-las de "não ilegais ainda", na esperança de que a legislação seja rapidamente revista.

Como disse o bioeticista Peter Singer, o dever da legislação é nos proteger de nós mesmos. Não tenho nada contra alguém escolher torrar seu cérebro com drogas - desde que isso não afete quem está ao seu redor. No caso de maconha, cocaína, ecstasy, LSD e de seus similares ainda não ilegais devido a uma brecha na lei, isso não é possível. Legislar é preciso.

Artigo escrito pela neurocientista, professora da UFRJ e autora do livro "Fique de Bem com o Seu Cérebro" (ed. Sextante) e do blog "A Neurocientista de Plantão", Suzana Herculano-Houzel.


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