Justiça mantém jovens internados

Publicado em:  27/07/2009

Infratores já liberados pela Fundação Casa são mantidos pelo Estado para tratamento psiquiátrico. Lei da reforma psiquiátrica, porém, só prevê internações curtas e devido a surtos; para entidades, artifício legal ampliou tempo de retenção

 

Seis jovens que têm mais de 18 anos e já cumpriram medidas socioeducativas na Fundação Casa (ex-Febem) foram obrigados pela Justiça a serem internados em uma unidade experimental de saúde criada pelo governo de São Paulo para tratamento psiquiátrico.

Eles cometeram atos infracionais -até homicídio- quando tinham menos de 18 anos.

Alguns deles estão no local, na Vila Maria (zona norte da capital), desde novembro de 2007. As internações compulsórias, no entanto, contrariam a lei da reforma psiquiátrica, que só as prevê em casos de surto e por curta permanência.

O Cedeca (Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente) de Interlagos e a ABMP (Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude) questionam a decisão judicial.

Dizem que um artifício legal foi usado para estender o prazo máximo -três anos, segundo o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)- de cumprimento de medida por ato infracional cometido por pessoas com menos de 18 anos.

O Cedeca defende que o tratamento dos jovens seja em meio aberto, com acompanhamento, e disse que vai entrar com ação civil pública para pedir a extinção da unidade.

 

Decreto

A contenção dos jovens está baseada em decreto de setembro de 2008, assinado pelo governador José Serra (PSDB), que cria a UES (Unidade Experimental de Saúde), vinculada à Secretaria da Saúde.

O documento diz que obedece determinações do "Poder Judiciário ao Executivo para que adolescentes e jovens adultos, autores de atos infracionais graves, portadores de distúrbios de personalidade e de alta periculosidade, tenham a conversão da medida protetiva, recebendo tratamento psiquiátrico em local com contenção".

Os seis jovens, com idades de 20 a 22 anos, cumpriram medidas socioeducativas e estão internados por tempo indeterminado após determinações de medida protetiva ou interdição, segundo o Cedeca. O assassino do casal de adolescentes Liana Friedenbach e Felipe Caffé, em 2003, é um deles.

As informações sobre os jovens foram passadas pelo Cedeca. A secretaria disse que não poderia confirmá-las por "questão de segurança".

Para Daniel Assis, advogado do Cedeca, a contenção é "francamente ilegal". "Seu funcionamento como unidade especializada é ilegal. O atendimento de pessoas com transtorno deve ocorrer na rede hospitalar."

Para o advogado, o Poder Judiciário, ao exigir do governo de São Paulo a criação de um espaço, age inconstitucionalmente por invadir uma atribuição do Poder Executivo.

O juiz Eduardo de Melo, presidente da ABMP, disse "não pode haver uma internação ad eternum". Do lado de fora, é possível observar que a UES possui muros de cerca 50 m, grades e portas de aço. A Secretaria da Saúde não autorizou visita da reportagem à unidade alegando questão de segurança e não informou se agentes penitenciários atuam no local.

O outro lado

Secretaria diz oferecer cuidados alternativos

A Secretaria da Saúde de São Paulo afirmou, em resposta por e-mail, que sempre ofereceu alternativas de tratamento para os atuais internos da UES (Unidade Experimental de Saúde).

Segundo a pasta, nenhum dos juízes aceitou porque não havia contenção nos locais indicados. "Foi exaustivamente explicado ao Poder Judiciário a inexistência nesta pasta da Saúde de um local que propiciasse tratamento psiquiátrico em regime de contenção."

A UES foi criada para atendimento de determinações judiciais "pelas quais esta secretaria foi compelida a criar estabelecimento de saúde com regime de contenção", disse a pasta.

A secretaria afirmou que o tratamento psiquiátrico dos internos é feito por profissionais do Hospital das Clínicas "de acordo com a necessidade de cada interno, propiciando: medicamentos, apoio psicológico, atividades laborais, atividades lúdicas". O Nufor (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica), do hospital, disse que só um profissional do núcleo atua na unidade.

Para a advogada Tânia da Silva, do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família) -que reúne magistrados, psicólogos e assistentes sociais-, o juiz pode determinar internação "dependendo do laudo médico".

"A internação de um jovem em hospital psiquiátrico dependerá de laudo que fale da sua incapacidade de atos da vida civil. A interdição visa isso. A internação muitas vezes é necessária", afirmou.


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