Publicado em: 17/08/2009
ANÁLISE
Países da região vão ser forçados a aceitar uma atuação conjunta com os EUA no combate ao tráfico ou terão de isolar a Colômbia, maior fonte da cocaína americana
Todo o imbróglio em torno do uso pelos EUA de bases militares na Colômbia serviu até agora só para implodir uma paráfrase da Doutrina Monroe, aquela que diz "a América para os americanos", cunhada pelo presidente James Monroe (1817-25), como repúdio a um eventual neocolonialismo europeu nas Américas.
Quando foi criada a Unasul (União de Nações Sul-Americanas), seu espírito, claramente expresso pelos principais líderes, inclusive Luiz Inácio Lula da Silva, era "a América do Sul para os sul-americanos", inclusive na guerra ao narcotráfico.
Com o acordo Colômbia/ EUA, Washington é inexoravelmente parte dessa guerra. Para presidentes viciados em antiamericanismo, como Hugo Chávez e Rafael Correa, as bases servirão para ir além da guerra contra o tráfico e o terrorismo, alvos oficiais do pacto.
Pior, do ponto de vista da "doutrina Monroe sul-americana": os EUA não são o único país norte-americano a envolver-se nessa batalha.
Na visita que fez na quinta-feira à Colômbia, o presidente mexicano, Felipe Calderón, acertou com seu colega Álvaro Uribe intensificar a cooperação entre os dois países na luta contra o narcotráfico. A Colômbia vai treinar 10 mil agentes federais mexicanos em táticas de combate ao crime organizado -muitíssimos mais, portanto, do que os 800 militares americanos que terão acesso às bases na Colômbia. Além disso, México e Colômbia vão compartilhar informações e treinamento de unidades antissequestro.
Tudo somado, os países da Unasul agora veem-se diante de um fato consumado: ou aceitam a presença dos EUA em um assunto que queriam reservar apenas para eles ou excluem a Colômbia do combate ao narcotráfico. Seria um total contrassenso, dado que a Colômbia é a fonte de 80% da cocaína que os EUA consomem.
Mas incluir a Colômbia -e o acordo com os EUA- tampouco é sinal de eventual êxito. Já está em execução há dez anos o Plano Colômbia, financiado pelos EUA. Resultado, segundo Rafael Pardo, ex-ministro colombiano, e Juan Gabriel Tokatlian, argentino da Universidade San Andrés e o maior especialista no assunto na América Latina, em artigo para o jornal "Christian Science Monitor":
"Bogotá passou os últimos dez anos erradicando plantações ilícitas, extraditou mais de 600 colombianos para os EUA, desmantelou os grandes e brutais cartéis de Medellín e Cali, criminalizou todas as fases desse negócio ilícito e lançou um ataque aos empórios ligados à droga tanto das guerrilhas como dos paramilitares. E, ainda assim, a produção de cocaína na Colômbia na realidade aumentou, e as redes de drogas permanecem intactas".
À Folha Tokatlian acrescentou que a proposta de os sul-americanos tomarem conta do assunto "pode ser resumida como mais do mesmo, mas apenas entre nós". Não funcionará "se vier a operar com a mesma lógica punitiva, mas regional, ou seja, sem os EUA".
Para esse respeitado especialista, "é essencial superar em primeiro lugar o debate proibição x legalização, polêmica que não levou a nada e dificilmente conduzirá a bom porto".
O correto, acha Tokatlian, é levar a discussão para "o estabelecimento de regimes regulatórios modulados, cobrindo o amplo espectro de atividades e fases do fenômeno das drogas, desde a demanda até a oferta, incluindo outros componentes direta e indiretamente ligados a tal fenômeno".
Seria "regulatório porque se requer uma forte intervenção dos Estados em geral, para estabelecer as regras, os procedimentos, os mecanismos e as normas para manejar melhor esse fenômeno". E seria "modulado porque é preciso desagregar cada droga de acordo com seu dano e seu risco, e estabelecer o regime regulatório específico, e não genérico como se se tratasse de produtos idênticos".
Essa pauta talvez permitisse salvar a cúpula de emergência da Unasul, no próximo dia 28.