Publicado em: 20/08/2009
Artigo escrito pelo presidente da Sociedade Paranaense de Psiquiatria, Marco Antonio Bessa.
Programa de Educação Continuada (PEC) é uma das mais exitosas atividades da ABP, dentre as muitas desenvolvidas com sucesso. Reúne o que há de mais atual em recursos tecnológicos ao modelo tradicional de transmissão de conhecimentos – a aula expositiva –, permitindo o acesso fácil e permanente a todos os associados de nossa instituição, constituindo-se em poderosa ferramenta de aprendizagem e de atualização de conhecimentos.
Em um país continental e de disparidades regionais profundas como o Brasil, o PEC é um recurso primordial para os psiquiatras das regiões mais distantes dos grandes centros universitários e também para que os psiquiatras em formação possam ter contato com os professores de diversas origens, ampliando suas perspectivas clínicas e científicas. A aula Aspectos Psiquiátricos-Legais, do Prof. Dr. Talvane Marins de Moraes, psiquiatra forense, doutor e livre-docente de psiquiatria, é um belo exemplo do que afirmei.
Ao tratar do tema perícia do uso, abuso e dependência de drogas, o expositor ressalta que o conhecimento técnico médico, ao ser levado a leigos, como, por exemplo, juízes ou promotores, deve ser subordinado a regras legais. Ocorre que as leis mudam e o que hoje consideramos crime pode não ter sido definido dessa forma em outros tempos. Sob essa perspectiva, o Dr. Talvane traça uma interessante abordagem sobre a evolução do estatuto jurídico das drogas em nossa legislação, desde o tempo do descobrimento até nossos dias.
Para não estragar a surpresa, comentarei apenas alguns desses pontos. Somos informados que até quando vigia a lei portuguesa no Brasil, não existia a preocupação com a venda ou o uso de drogas, mas apenas com a vida do consumidor, para evitar o seu envenenamento ou intoxicação. Comenta que o consumo de ópio em nosso país até a década de 30 do século passado era um "prazer" desfrutável apenas por pessoas ricas. Fato que inspirou o livro denominado "Vícios sociais elegantes", tendo como co-autor Adauto Botelho. Ou seja, tempos de legalidade das drogas.
Assim, se aprendemos que nem sempre essas substâncias foram criminalizadas, também somos lembrados que tivemos períodos de obscurantismo total, com exageros opostos, como por exemplo, quando a Lei 5.726, de 1971, em pleno regime militar, instituía a categoria "toxicônamo", com determinação de internação compulsória para essas pessoas. Além disso, exigia que os usuários e portadores de substâncias deviam ser denunciados à polícia. Com fina ironia, nosso professor comenta qual foi a reação de psiquiatras e escolas a esse tipo de arbitrariedade.
O Dr. Talvane chega até os dias atuais discorrendo sobre a Lei 11.343, de 2006. Relata as definições que essa lei promove das drogas e quais são as medidas legais previstas em relação aos seus usuários, com informações que podem ser surpreendentes para quem não acompanha esse assunto de perto.
O último bloco da aula analisa os princípios de nossa Constituição e os artigos centrais que devem nortear a perícia psiquiátrica. Por exemplo, o artigo 1º, que se refere à dignidade da pessoa humana, e o artigo 5º, que trata dos direitos e garantias individuais. Prossegue apontando a tendência das doutrinas legais contemporâneas em entenderem que o problema das drogas deve ser contextualizado na área de saúde e que não se deve punir o usuário com restrição de liberdade.
Conclui com a indicação que os melhores instrumentos para enfrentar o grave problema das drogas continuam sendo a educação e prevenção. A aula é muito útil, instrutiva e instigante, mesmo para aqueles psiquiatras que não lidam diretamente com dependentes químicos ou que não atuam como peritos, pois essas substâncias perpassam toda nossa vida social, econômica e política e estão presentes, de modo direto ou indireto, em nosso cotidiano clínico.
Desse modo, somos situados no universo jurídico e nas diversas interpretações que as drogas obtiveram ao longo de nossa história, preparando-nos para uma avaliação bem fundamentada desses doentes, tanto do ponto de vista técnico quanto do ético. Adquirimos conhecimento sólido para uma perícia e para uma entrevista clínica. Com erudição, o Dr. Talvane nos apresenta um tema árido, de uma forma simples e agradável, como se estivesse em uma descontraída conversa com amigos na varanda de sua casa. Habilidade que só os grandes professores possuem.
Por tudo comentado, a meu ver o Dr. Talvane é presença indispensável em futuros e necessários debates sobre a legalização das drogas, tema importante e que tem sido muito discutido por diversos setores da sociedade. Finalizo convidando a todos os associados da ABP a assistirem a essa excelente aula, bem como a participarem do PEC, que é uma maneira confortável e divertida de estudar e de se manter atualizado nos principais assuntos da Psiquiatria.