Enxaqueca atinge mais filho de fumante

Publicado em:  13/09/2009

Estudo da USP de Ribeirão mostra que risco é 1,5 maior para filhos de mulheres que fumaram mais de dez cigarros na gestação

 

Mesmo os apelos do marido e da família não convencem Cláudia (nome fictício), 22, a parar de fumar. Seria mais um caso de vício em cigarro, não fosse o fato de a jovem de Ribeirão Preto estar grávida de nove meses. Cláudia também fumou durante a gestação dos outros dois filhos, que têm hoje 6 anos e 3 anos.

Um estudo da USP (Universidade de São Paulo) de Ribeirão mostra que o hábito de Cláudia expõe seus filhos a um risco maior de terem dor de cabeça crônica na vida do que as crianças cujas mães ficaram longe do cigarro na gravidez.

A tese de doutorado defendida na última quarta-feira conclui que a criança de quem fumou ao menos dez cigarros ao longo da gestação possui 1,5 chance a mais de sofrer de cefaleia crônica, conhecida como enxaqueca, do que os filhos de mães não-fumantes.

O estudo, orientado pelo professor Marco Antônio Barbieri, dividiu-se em dois momentos. Em 1994, 844 gestantes de Ribeirão foram entrevistadas -fumantes e saudáveis. Dez anos depois, pesquisadores encontraram seus filhos nas escolas, que foram submetidos a uma avaliação médica.

Pouco menos de um terço das crianças -28,4%- apresentava dores de cabeça crônica. Para separar da dor de cabeça comum, o estudo considerou enxaqueca quando ela ocorre na criança no mínimo quatro vezes por mês.

Do universo de 28,4% de vítimas de enxaqueca, o que equivale a aproximadamente 240 crianças, a pesquisa encontrou um fator predominante: em quase metade dos casos (43,3%), a mãe fumou durante a gestação.

A descoberta de que a dor de cabeça está associada ao tabagismo materno soma-se a outros malefícios sofridos pelos filhos de fumantes já estudados pela medicina. "A criança pode ter dificuldades de atenção e de aprendizado na escola e ser hiperativa, mais estressada", disse o autor da pesquisa Carlos Eduardo Fabbri.

O cigarro, explica o pesquisador, é ainda mais prejudicial nos três primeiros meses de gestação, fase principal da formação neurológica do feto. "E é muito comum nessa fase a mulher não saber ainda que está grávida, e continuar fumando", disse Fabbri.

Fumante desde os 13, a adolescente Angélica (nome fictício), 16, descobriu que estava grávida com um mês de gestação. Só conseguiu largar o vício dois meses depois. Resultado: por três meses, o bebê que se chamará Diogo Emanuel recebeu os malefícios de dez cigarros diários.

"Depois de tanto minha mãe e meu marido falarem, resolvi parar. Hoje respiro muito melhor", conta. A decisão da adolescente pode dar fim a três gerações de fumantes: a mãe de Angélica fumou em sua gravidez, assim como sua avó.

"Como não aconteceu nada comigo, achei que não tinha problema eu fumar quando fiquei grávida dela", conta a mãe da jovem. "Hoje, a gente tem mais informação, sabe que cigarro faz mal e que pode até deformar o bebê."

 

Mãe fuma por doença, afirma especialista

DA FOLHA RIBEIRÃO

A mulher que mantém o vício de fumar mesmo sabendo que está grávida não é negligente, mas sim doente. O nome da doença: tabagismo. Essa é a opinião do médico Clésio Soares, coordenador do Controle de Tabagismo do HC (Hospital das Clínicas) de Ribeirão.

"Existe um preconceito nosso com essas mulheres. Elas são mães dóceis, ótimas, mas a dependência química derruba o caráter da pessoa. Ela precisa ser observada como uma pessoa doente, não podemos criticar simplesmente."

Desde 2007, Soares atua como médico do programa municipal de luta de apoio a quem quer parar de fumar, o Grupo de Tratamento do Tabagismo. As reuniões acontecem na Unidade Básica de Saúde central.

O médico conta que, entre os membros do grupo, já recebeu mulheres gestantes, e que algumas desistiram da reunião por não conseguirem abandonar o vício. Outra situação frequente é o abandono temporário do cigarro, retomado após a criança nascer.

Segundo Soares, o tabagismo na gravidez pode provocar prematuridade da criança e até aborto. Quando o filho sobrevive ao parto, as sequelas podem ser notadas com um comportamento que tende ao agressivo.

 Falta remédio para quem quer largar o cigarro em Ribeirão

Um ano depois do pedido, a Secretaria da Saúde de Ribeirão Preto ainda não recebeu nenhuma resposta do governo federal de quando chegarão os remédios antifumo para o grupo de pessoas que querem largar o vício e que passam por tratamento na UBDS (Unidade Básica de Saúde) Central.

Com o apoio dos medicamentos, o percentual de pessoas que abandonam o cigarro, que é de 40%, poderia ser muito maior -chegar a 60%. A estimativa é do médico Clésio Soares, um dos integrantes do Grupo de Tratamento de Tabagismo e coordenador do Controle de Tabagismo do Hospital das Clínicas de Ribeirão.

Além das reuniões de grupo, o tratamento com apoio de adesivos de nicotina ou de um antidepressivo específico -bupropiona- serve de estímulo a mais para o fumante se curar do tabagismo. Dos 80 pacientes hoje divididos em cinco grupos de apoio, 90% têm indicação para usar medicamentos como suporte, segundo o médico.

O Ministério da Saúde possui um programa para fornecer nicotina ou o antidepressivo para este tratamento -hoje, cerca de 700 municípios brasileiros já recebem o remédio.

A via sacra de Ribeirão começou há dois anos, quando o grupo de médicos treinados pelo Inca (Instituto Nacional do Câncer) para ministrar o medicamento conheceu o programa e elaborou um projeto para receber o material.

Somente em outubro do ano passado, a prefeitura encaminhou o pedido para o Estado. No mês seguinte, a Secretaria de Estado da Saúde repassou o pedido para o Ministério da Saúde, mas desde então não houve resposta.

Os adesivos de nicotina custam R$ 45 por semana ou, se a opção for por não-nicotíneos, a caixa de bupropiona custa R$ 50 e dura 20 dias. "Temos pessoas que, ao ver que não havia remédio, desanimaram e saíram do grupo", disse Soares.

O Ministério da Saúde, em nota, diz que Ribeirão não está cadastrado e que o ato deve ser feito pelo Estado. A reportagem não conseguiu ouvir a Secretaria de Estado da Saúde após essa declaração.

 

 


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