Publicado em: 20/09/2009
Após dez anos sem consumir drogas, homem tem recaída e agora está internado em uma clínica em Ribeirão Preto
Roberto (nome fictício), 50, nunca precisou trabalhar para se manter nem tinha problemas com a família quando começou a fumar maconha aos 12 anos, no Rio de Janeiro. Aos 13 já cheirava cocaína e, alguns anos depois, passou a fumar crack. Só com festas, chegou a gastar US$ 30 mil em um ano.
Há 20 dias, depois de passar dez anos completamente "limpo" e orientar dependentes em recuperação, teve uma recaída e agora está internado em uma clínica em Ribeirão Preto. Sobre o crack, só tem uma explicação. "É um negócio maligno mesmo, que veio para acabar com essa juventude", afirmou.
Apesar de não ter semelhança com a imagem do usuário de crack construída pelo imaginário comum -além de ser de família rica e tradicional, Roberto tem boa aparência e porte atlético para a idade- seus relatos sobre as primeiras experiências com a droga são bem parecidos com os de dependentes da classe baixa.
"O efeito é muito rápido. Por aqueles cinco minutinhos, você se desliga de tudo, entra em outro mundo. Se tiver um problema em casa, uma chateação, aquilo não existe mais. É como se você cochilasse e, de repente, acordasse. Por isso que, quem usa, enquanto tem a pedra, não vai querer saber de fazer outra coisa", disse.
Em situações de desespero por mais drogas, ele conta, chegou a tirar a família de casa no Rio para que traficantes pudessem levar eletrodomésticos e outros objetos como pagamento. Há 25 anos, em uma das discussões com a ex-mulher, que estava grávida de nove meses, acabou provocando o aborto de seu filho.
Hoje, isolado da família, só pensa em se livrar da dependência e ajudar novamente jovens a saírem do vício.
Paco
Uma droga conhecida como "paco", um crack de segunda linha, pode ter chegado a Ribeirão. Muito consumida pela classe baixa na Argentina, a droga é fumada em cachimbos.
José (nome fictício), 34, que está em tratamento no Caps (Centro de Atenção Psicossocial) da prefeitura, disse ter usado a substância há três semanas. Tanto a Polícia Militar, quanto a Polícia Federal, desconhecem apreensões da droga.
Pontos escuros ou desertos são escolhidos para consumo
Além do antigo galpão da Ceagesp outras regiões escuras e pouco movimentadas à noite, como a avenida Quito Junqueira, na zona norte, e pontos do quadrilátero central, são os locais escolhidos para o consumo do crack.
Na última quarta, Luana (nome fictício), 19, falou com a Folha de sua dependência de crack sob o teto de um despachante na Duque de Caxias, no centro. Com ela estavam cinco homens que vivem nas ruas.
Sua primeira tragada em um cachimbo foi aos 16, na rua. Ela disse evitar a Baixada, onde os policiais "são muito folgados". "Uma vez eu estava deitada, não estava fazendo nada, a policial já chegou jogando spray de pimenta no meu olho."
Antônio (nome fictício), 50, estava com uma adolescente, um morador de rua e um jovem fumando pedra na Quito Junqueira. Contou que teria muito dinheiro, se quisesse, só transformando cocaína em crack.
Segundo a porta-voz da PM Lilian Caporal Nery, sempre que locais são identificados como pontos de uso e venda, a polícia faz operações e os usuários migram para outros pontos. Sobre as denúncias de usuários, ela disse não haver reclamações de abordagem fora dos procedimentos operacionais.
Crack é uma das drogas que mais viciam
O crack, um subproduto da cocaína, é uma das substâncias com maior potência de indução do usuário ao vício, segundo Erikson Furtado, psiquiatra, professor da FMRP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto) e coordenador do ambulatório de álcool e drogas do HC (Hospital das Clínicas).
"A nicotina [presente no cigarro], por enquanto, é a de maior potência. É capaz de induzir à dependência um em cada três usuários. Mas ela não chama tanta atenção por não causar tantas alterações num curto prazo. O crack tem potência para induzir ao vício um em cada três ou quatro indivíduos."
O crack propicia a liberação rápida de dopamina, um neurotransmissor que ativa regiões do cérebro que levam à dependência. As reações de quem fuma variam muito. O usuário pode tanto ficar muito eufórico como se sentir perseguido. Para os dependentes, o tratamento costuma ser longo e não há sucesso sem muita persistência, disse o psiquiatra.
Usuários da droga são maioria dos atendidos em núcleo
Os usuários de crack constituem a maior parte dos atendidos no Caps, núcleo especializado em álcool e drogas de Ribeirão Preto. Nos primeiros seis meses deste ano, dos 10.500 atendimentos realizados no Caps, 6.825 foram relativos a dependentes de crack, combinado a outras drogas.
Em todo o ano passado, foram 17.707 atendimentos, dos quais 50% eram referentes a usuários de crack. Como comparação, em 2006 o total de dependentes com este perfil era de 4.269 pessoas.
"A gente percebe o aumento e também uma mudança de perfil. Quando abrimos o serviço, dez anos atrás, os pacientes tinham entre 40 e 50 anos. Hoje, o aumento da procura é na faixa de idade entre 19 e 30 anos. As pessoas estão experimentando a droga cada vez mais cedo", afirmou Maria Cristina Taveira, coordenadora do Caps.
O atendimento, que inclui terapias ocupacionais e em grupo, é gratuito. Mais informações podem ser obtidas das 8h às 20h pelo telefone 0/xx/16/ 3615-3336. Na próxima sexta-feira, o centro realiza em Ribeirão um simpósio sobre tratamentos possíveis para o uso abusivo de drogas, a partir das 8h, no auditório da Unip.