Publicado em: 26/09/2009
Neurologia
The New York Times
Los Angeles - Se existe uma
sociedade de dorminhocos profissionais em algum lugar, um culto de pessoas
orgulhosas por obter o número correto de horas de sono por noite, deve ser uma
bastante secreta. A maioria das pessoas parece se sentir insatisfeitas a respeito
de seu sono, e são dispostas a falar sobre isso: gostariam de dormir um pouco
mais; talvez preferissem conseguir passar com um pouco menos; imaginam se seu
sono é profundo o bastante. Elas estão certas de que ficar acordado até as duas
da madrugada, andando de um lado para o outro na sala de tevê como um animal
enjaulado não pode ser bom. Ou pode?
Na verdade, ninguém sabe ao
certo. Os cientistas nem mesmo têm certeza sobre por que o sono existe, o que
tornou difícil explicar a grande diversidade de hábitos de sono em pássaros,
peixes e mamíferos de todo tipo, incluindo humanos.
Por que os leões dormem durante
15 horas por noite e as girafas apenas cinco – quando são elas que terão de
fugir para salvar a vida quando chegar a hora da caça? Como dormem os pássaros
migratórios, que voam por dias a fio? Por que algumas pessoas são madrugadoras
quando jovens, e se tornam corujas quando mais velhas?
A resposta pode estar no
gerenciamento do tempo, de acordo com artigo do jornal Nature Reviews
Neuroscience. Nele, o professor de psiquiatria da Universidade da Califórnia
Jerome Siegel argumenta que o sono evoluiu para que os animais otimizassem o
uso do tempo, equilibrando-o com a horas de busca por alimento. Decorre daí que
mudanças no padrão de sono, incluindo os períodos de insônia, não deveriam ser
vistas como problema – e sim como adaptações às demandas do ambiente.
“Nós passamos um terço de
nossas vidas dormindo, e isso parece tão mal adaptado – ‘o maior erro cometido
pela natureza’ é a definição dada pelos cientistas”, diz Siegel. “Porém outro
ângulo para se olhar o problema é o seguinte: ficar acordado desnecessariamente
seria um erro ainda maior.”
Como campo de estudo, o sono
não é nada tranquilo – peritos discordam fortemente sempre que surge uma teoria.
A de Siegel não foi uma exceção. Entre outras objeções, os críticos apontam que
animais dormindo estão menos alerta a predadores do que se estivessem
acordados, e que o sono parece servir a outras funções essenciais. Alguns
estudos sugerem que o cérebro serve para consolidar as memórias do dia durante
o repouso; outros dizem que ele precisa do sono para reparar danos
neurológicos.
“Minha própria teoria, que é vai na linha convencional, é que os
neurônios exigem o sono como parte do processo de longo prazo” de auxílio do
aprendizado, diz Clifford Saper, neurocientista de Harvard. Porém, conforme ele
acrescenta, sua teoria e a de Siegel podem não ser mutuamente excludentes. Em
primeiro lugar, o sono não é, nem de longe, um estado tão vulnerável quanto parece.
Pessoas dormindo são altamente sensíveis a alguns ruídos, como o choro de um
bebê ou uma pancada ou vozes incomuns.
Estudos com outros animais
também sugerem que a necessidade de dormir cai muito nos momentos mais
cruciais. Baleias assassinas em migração ficam alertas enquanto nadam por
semanas a fio, e aparentemente tão alertas quanto quando estão descansadas.
Pesquisas recentes sugerem que o mesmo vale para os pardais de coroa branca:
eles dormem muito menos do que o normal quando estão migrando. Considere o
grande morcego marrom, talvez o mamífero de sono mais longo de todos. Ele dorme
20 horas por dia, e passa as outras quatro caçando mosquitos e mariposas no
anoitecer e no início da noite. “Aumentar o tempo que passa acordado seria
maléfico para esse animal, já que ele gastaria energia e seria exposto a
pássaros predatórios com melhor visão e melhores habilidades de voo”, escreve
Siegel.
Em humanos, é notório que a
qualidade de sono muda com a idade, dos profundos mergulhos no começo da
infância, às cinco ou seis horas de sono leve e irregular que muitos idosos
têm. Os médicos há tempos discutem se os idosos são prejudicados pela falta de
sono, ou se simplesmente precisam de menos tempo de repouso. Na visão de
Siegel, é uma questão de troca: pessoas mais velhas não possuem mais a
necessidade de crescer dos jovens, que exige sono profundo e longo.
A teoria também sustenta o que
as pessoas já suspeitavam a respeito de madrugadores e notívagos: eles ficam
mais alerta nos horários em que são mais produtivos. E acabam se sentindo
fatigados se não conciliarem isso a sua agenda de trabalho.
Não significa que um bom sono
seja desnecessário, ou que problemas sérios de sono não existam. O sono é
necessário, e os problemas existem. Mas a teoria sugere que um período de
insônia pode não ser prova de uma doença. Se o sono evoluiu até se tornar nosso
melhor gerenciador de tempo, estar acordado às duas da manhã pode significar
que há trabalho importante a ser feito. Hora de desligar as reprises de filmes
antigos e começar a fazê-lo.