Publicado em: 29/09/2009
ARTIGO DE OPINIÃO
Diretora do Instituto Damião Ximenes,
irmã do usuário Damião Ximenes, morto em hospital psiquiátrico cujo caso levou
à condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2006
Com ela, o
Brasil entrou na linha de frente dos países com política de saúde mental que
privilegia a inclusão na sociedade, na família e no trabalho, dos que convivem
com esse sofrimento.
Uma lei, depois de entrar em vigor,
não pode demorar para ser colocada em prática. Isso abre espaço para
retrocessos, faz desacreditar a capacidade de mudança no poder público.
Passados oito anos, a Lei da Reforma Psiquiátrica ainda precisa ser
implementada em sua totalidade. É para dizer isso ao poder público e à sociedade
que acontece em Brasília, amanhã, a Marcha dos Usuários da Saúde Mental pela
Reforma Psiquiátrica Antimanicomial.
A mobilização, inédita, será
realizada por 1,5 mil usuários e é fruto da articulação entre esse movimento e
familiares, trabalhadores dos serviços substitutivos, associações ligadas ao
campo da reforma psiquiátrica.
Os usuários querem que seja ouvida
sua voz, defendendo a criação e fortalecimento do conjunto de serviços
substitutivos, articulada ao fechamento de hospitais e leitos psiquiátricos,
que vêm ocorrendo com cada vez maior lentidão. Mantida a média atual, de 2,3
mil leitos fechados por ano, desde 2002, seriam necessários mais 15,2 anos até
que esse modelo seja finalmente abandonado. O custo dessa demora será pago pela
vida das pessoas que estão confinadas. O poder público precisa dar ouvidos a esse
clamor.
Processo social complexo, a reforma
psiquiátrica não se institui de forma homogênea. Contudo, é possível ir além do
que já se alcançou e, obviamente, jamais retornar ao ponto de início.
A marcha defende políticas de atenção
primária, prevenção e promoção da saúde mental, centros de convivência,
serviços residenciais terapêuticos, equipes de saúde mental na rede básica de
saúde, mais Centros de Atenção Psicossocial (Caps).
A articulação desses
serviços possibilita o fechamento de hospitais psiquiátricos sem deixar as
famílias sem alternativas para o tratamento.
Precisa ser efetivado o Programa de
Volta para Casa, criado pelo Ministério da Saúde, em 2003, com o objetivo de
reintegrar socialmente portadores de transtornos mentais que passaram por
longas internações. O programa oferece auxílio financeiro para o beneficiário
ou seu representante legal e apoia o portador em tratamento extra-hospitalar.
A vida dos portadores de sofrimento
mental na sociedade será mais possível - e mais cidadã - quanto mais e melhores
iniciativas de geração de trabalho e renda houver; com a inclusão dos
portadores de sofrimento mental nas políticas de moradia e assistência social.
É também sobre isso que a Marcha quer conversar com o poder público.
Ela tem a importância de avaliar, em espaço
democrático, as políticas públicas implementadas nesses oito anos - que
coincidem com o prazo de vigor da Lei da nº 10.216/01 -, discutir passos
fundamentais para o avanço da Reforma Psiquiátrica Antimanicomial e estabelecer
novos marcos para profissionais da área e portadores de transtornos mentais,
cada dia mais atuantes socialmente.
Setores contrários à reforma - por
interesses profissionais e comerciais, preocupados em garantir seu quinhão no
negócio da saúde - buscam desqualificar a ação dos serviços substitutivos,
revogar a Lei 10.216 e, desse modo, promover o retrocesso da Reforma
Psiquiátrica, propondo o retorno ao hospital psiquiátrico como solução para o
tratamento dos portadores de sofrimento mental.
Vale dizer: para nós, o hospital
psiquiátrico, mesmo que moderno, asséptico e moldado pelos novos saberes
científicos, não é solução e não é esse o projeto de futuro que almejamos. E
por quê? Porque o impedimento do convívio social, o confinamento, não é a forma
de a sociedade lidar com as questões da saúde mental. Esconder o diferente
atrás dos muros dos hospitais não contribui para uma sociedade justa, diversa,
democrática.