Publicado em: 03/10/2009
Artigo escrito por Ignácio Ramonet, que é diretor do Le Monde
Diplomatique em espanhol.
Paris, setembro/2009 ?
Pouquíssimos meios de comunicação comentaram. A opinião pública não foi
alertada. E, entretanto, as preocupantes conclusões do Informe final (1)
publicado pela Comissão Européia, no dia 8 de julho, sobre os abusos em matéria
de competição no setor farmacêutico, merecem ser conhecidas pelos cidadãos e
amplamente divulgadas.
O que diz esse Informe? Em
síntese? Que, no comércio de medicamentos, a competição não está funcionando, e
que os grandes grupos farmacêuticos recorrem a todo tipo de jogo sujo para
impedir a chegada ao mercado de medicamentos mais eficazes e, sobretudo, para
desqualificar os genéricos, muito mais baratos. Conseqüência: o atraso no
acesso do consumidor aos genéricos se traduz em importantes perdas financeiras,
não apenas para os próprios pacientes, mas para a Assistência Social a cargo do
Estado (ou seja, os contribuintes). Isto também oferece argumentos aos
defensores da privatização dos Sistemas Públicos de Saúde, acusados de serem
fossos de déficits no orçamento dos Estados.
Os genéricos são medicamentos
idênticos ? quanto aos princípios ativos, dosagem, fórmula farmacêutica,
segurança e eficácia ? aos medicamentos originais produzidos com exclusividade
pelos grandes monopólios. O período de exclusividade e proteção da patente do
remédio original vence após uma dezena de anos, quando então outros fabricantes
têm direito de produzir os genéricos, que custam cerca de 40% mais barato. A
Organização Mundial da Saúde (OMS) e a maioria dos governos recomendam o uso de
genéricos porque, por seu menor custo, favorecem o acesso equitativo à saúde das
populações expostas a doenças evitáveis (2).
O objetivo dos grandes
laboratórios consiste, por conseguinte, em retardar, por todos os meios
possíveis, a data de vencimento do período de proteção da patente. O mercado
mundial de medicamentos representa cerca de 70 bilhões de euros (3); e uma
dezena de empresas gigantescas, entre elas as chamadas ?Big Pharma? ? Bayer,
GlaxoSmithKline (GSK), Merk, Novartis, Pfizer, Roche, Sanofi-Aventis ?,
controlam metade desse mercado. Seus lucros são superiores aos obtidos pelos
poderosos grupos do complexo militar-industrial. Para cada euro investido na
fabricação de um medicamento de marca, os monopólios ganham mil no mercado (4).
Ademais, três dessas companhias (GSK, Novartis e Sanofi) pretendem ganhar
milhares de milhões a mais de euros nos próximos meses graças à venda maciça da
vacina contra o vírus A (H1N1) da nova gripe (5).
Essas gigantescas massas de
dinheiro dão às Big Pharma uma potência financeira absolutamente colossal, que
usam particularmente para arruinar, mediante múltiplos julgamentos milionários
perante os tribunais, modestos fabricantes de genéricos. Seus inumeráveis
lobbies também fustigam permanentemente o Escritório Europeu de Patentes (OEP),
cuja sede fica em Munique, para retardar a concessão de autorizações de entrada
de genéricos no mercado. Além disso, realizam campanhas enganosas sobre esses
remédios bioequivalentes e assustam os pacientes.
O resultado é que, segundo o
recente Informe divulgado pela Comissão Européia, os cidadãos têm de esperar,
em média, sete meses mais do que o normal para ter acesso aos genéricos, o que
se traduziu, nos últimos cinco anos, em um gasto extra desnecessário de
aproximadamente três bilhões de euros para os consumidores e em 20% de aumento
para os Sistemas Públicos de Saúde.
A ofensiva dos monopólios
farmacêutico-industriais não tem fronteiras. Também estariam implicados no
recente golpe de Estado contra o presidente Manuel Zelaya em Honduras, país que
importa todos os seus medicamentos, produzidos fundamentalmente pelas ?Big Parma?.
Desde que Honduras entrou para a Aliança Bolivariana para os Povos da América
(Alba), em agosto de 2008, Zelaya negociava um acordo comercial com Havana para
importar genéricos cubanos, com a intenção de reduzir os gastos de
funcionamento dos hospitais públicos de seu país. E, na Cúpula do dia 24 de
junho, os presidentes da Alba se comprometeram a ?revisar a doutrina sobre a
propriedade industrial?, ou seja, a qualidade de intocável das patentes em
matéria de medicamentos. Estes dois projetos, que ameaçavam diretamente seus
interesses, levaram os grupos farmacêuticos transnacionais a apoiar fortemente
movimentos golpistas que derrubariam Zelaya em 28 de junho daquele mês (6).
Além disso, Barack Obama,
desejoso de reformar o sistema de saúde dos Estados Unidos, que deixa sem
cobertura médica 47 milhões de cidadãos, enfrenta a Irã do complexo
farmacêutico-industrial. Aqui, as quantias em jogo são gigantescas (os gastos
com saúde representam o equivalente a 18% do PIB) e controladas por um vigoroso
lobby de interesses privados que reúne, além das Big Pharma, as grandes
companhias de seguro e todo o setor de clínicas e hospitais privados. Nenhum
desses atores quer perder seus opulentos privilégios. Por isso, apoiando-se nos
grandes meios de comunicação mais conservadores e no Partido Republicano, estão
gastando dezenas de milhões de dólares em campanhas de desinformação e de
calúnias contra a necessária reforma do sistema de saúde.
É uma batalha crucial. E seria
dramático ver as máfias farmacêuticas ganharem. Porque então redobrariam os
esforços para atacar, na Europa e no resto do mundo, o avanço dos medicamentos
genéricos e a esperança de alguns sistemas de saúde menos caros e mais
solidários.
(1) htpp://ec.europa.eu/comm./competition/sectors/pharmaceuticals/inquiry/index.html.
(2) Recordemos que 90% dos
gastos da grande indústria farmacêutica para o desenvolvimento de novos
medicamentos estão destinados a ?doenças de ricos?, que atingem apenas 10% da
população mundial.
(3) Intercontinental Marketing
Services (IMS) Health, 19 de março de 2000.
(4) Carlos Machado, ?A máfia
farmacêutica. Pior o remédio do que a doença?, 5 de março de 2007
(www.ecoportal.net/content/view/full/67184).
(5) Léase, Ignácio Ramonet, ?Os
culpados da gripe suína?, Le Monde Diplomatique em espanhol, junho de 2009.
(6) Observatório Social
Centro-Americano, 29 de junho de 2009.