O bafômetro é legal

Publicado em:  19/10/2009

Artigo de opinião escrito pelo juiz de Direito da 2.ª Vara de Delitos de Trânsito de Curitiba, Carlos Henrique Licheski Klein.

A recusa ao exame e a indicação pela autoridade de trânsito dos sinais de embriaguez podem ser decisivos numa demanda judicial, privando o condutor embriagado do seguro

Cogitando sobre o exame do bafômetro, sobre como a lei e a jurisprudência estão tratando a questão "embriaguez ao volante", percebi que esta talvez seja a questão menos relevante. Em que pese a importância do tema, a questão da "embriaguez ao volante" tem outros aspectos que merecem a consideração de todos.

O primeiro aspecto, de fácil compreensão e que não demanda nenhum conhecimento jurídico, é que, ao ingressarmos num veículo como condutores, estamos transportando vidas: a nossa e, de modo geral, de pessoas que amamos. São nossos pais, filhos, esposa, amigos etc. – pessoas com quem nos importamos e que não gostaríamos de transformar em lembranças de um dia infeliz.

Como responsável por uma das Varas de Delito de Trânsito da capital, diariamente convivo com pessoas que se julgaram capazes de transportar seus maiores tesouros no carro, mesmo estando alcoolizados, acreditando que poderiam fazê-lo.

Lamento por eles e pelas vidas que ceifaram.

Você se aconselharia com alguém embriagado? Pois alguém que bebeu e resolve dirigir está fazendo algo pior! Então, "se beber não dirija".

No aspecto legal, a primeira questão que merece atenção é que independe da realização do exame do bafômetro, a aplicação de multa e retenção da carteira pelo prazo de um ano (art. 165 do Código Brasileiro de Trânsito). A legislação vigente (art. 277 do CTB) diz claramente que aquele que se recusar ao exame estará sujeito às penalidades, admitidos outros meios de prova. Basta que o responsável descreva os sinais de embriaguez, convindo lembrar que os dispositivos antes citados não se referem exclusivamente ao uso de bebida alcoólica, mas também à influência de outra substância psicoativa que determine dependência. Cocaína, por exemplo.

Se não houver outra pessoa habilitada para conduzir, haverá retenção do veículo. Se a abordagem ocorrer em uma fiscalização de rotina, automaticamente se instaura um inquérito policial e o condutor responderá a processo criminal, por infração ao artigo 306 do CTB, que prevê pena de detenção de 6 meses a 3 anos, multa e suspensão da habilitação, por período entre 2 meses e 5 anos.

Se a constatação da embriaguez ocorrer em virtude de um acidente de trânsito e o condutor alcoolizado tiver sido o causador, deverá responder pelos danos causados à integridade física dos demais e pelos danos materiais que advierem da colisão. A extensão dos danos pode resultar em indenização gigantesca, pois compreende tudo quanto necessário para restituir as coisas e as pessoas ao seu estado anterior: os veículos, arcar com as despesas médicas – inclusive danos estéticos – despesas de funeral, pensão aos sobreviventes, danos morais, recompor a renda perdida em função do acidente. Um motorista de táxi, por exemplo, que, por conta do acidente de trânsito, fique impossibilitado de trabalhar, poderá requerer que o responsável pelo acidente o indenize pelos dias parados.

Logicamente que o infrator, pessoa prudente que é (será?), poderá valer-se do seguro. Mas, também aqui, a embriaguez ao volante causará embaraço. É que nos contratos de seguro costuma constar cláusula que afasta o dever de indenizar caso o segurado agrave voluntariamente o risco contratual – e conduzir embriagado agrava o risco.

A recusa ao exame e a indicação pela autoridade de trânsito dos sinais de embriaguez podem ser decisivos numa demanda judicial, privando o condutor embriagado do seguro.

Durante o tempo em que permanecerem as pendências judiciais, seja na parte cível ou criminal, ao solicitar certidões ao Poder Judiciário, o infrator haverá de conviver com a anotação de que responde a processo, comparecer nas audiências que forem designadas e arcar com as despesas decorrentes, em especial honorários advocatícios, pois são seus o ônus, o interesse e a necessidade de patrocinar a própria defesa.

Mas não é só! Existe tendência da sociedade no sentido de não tolerar mais esse tipo de abuso dos condutores e, em casos em que haja vítima(s), de responsabilizar o condutor pela prática de crime com dolo eventual, agravando a pena, o que pode resultar no cumprimento em estabelecimento penal, obviamente com ampla exposição na mídia.

Um acidente de trânsito, em suma, pode resultar em gravíssimas repercussões na vida de qualquer pessoa. Haverá de conviver, por alguns anos, com as incertezas e expectativas do que poderá resultar do(s) processo(s) e, para sempre, com a culpa de ter causado um acidente de trânsito com vítimas. Com a culpa por ter abreviado a vida de um semelhante, de ter causado o óbito de um amigo ou parente próximo, de ter causado severos danos à integridade física de alguém. Em suma, por todos os motivos acima, ninguém que cause um acidente de trânsito fica impune.

Como protege os meus filhos e os seus, o bafômetro é legal!

 


TAGS


<< Voltar