Publicado em: 20/10/2009
A glamurização do crime, especialmente a cultural, é particularmente perversa com quem mais necessita do combate sem tréguas do Estado contra o crime
Sempre chega a hora em que Luiz Inácio Lula da Silva desiste de brigar com os fatos. Trata-se de uma qualidade. Ontem, em encontro com o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, o presidente se disse contra legalizar as drogas e responsabilizou o consumo nos países desenvolvidos pela criminalidade em nações como o Brasil. O governo de Barack Obama também foi por aí um dia desses, quando a secretária de Estado, Hillary Clinton, admitiu aos mexicanos que os problemas do México seriam bem menores caso os americanos não consumissem o tanto de drogas que consomem.
Fatos são fatos. Uma coisa é o sujeito ficar teorizando entre quatro paredes, outra é governar. Uma coisa é querer posar de "progressista", para plateias seletas, outra diferente é precisar dizer alguma coisa para a imprensa e a população depois de episódios como o de sábado no Rio. São dois mundos.
Não há como governar sem cuidar dos fatos. Um deles: a violência e a insegurança no Brasil chegaram a níveis alarmantes. E isso tem relação direta com o tráfico de drogas. Que não existiria nesse nível se não fosse alimentado pelo consumo. Lula atacou o dos outros. Vai chegar o dia em que ele, ou quem o suceder, terá que tratar do nosso.
O assunto precisa ser enfrentado politicamente pelo governo federal. Não apenas com mais dinheiro e mais apoio para as polícias estaduais e maior vigilância nas fronteiras, mas com iniciativas no Congresso Nacional que permitam à Justiça colocar na cadeia quem nela deve ficar e de lá tirar quem deveria estar aqui fora. Mas não se nota nestes sete anos maior vontade política do Planalto de fazer essa última lição de casa.
Um entrave, já abordado nesta coluna, é certo sentimento coletivo de culpa, decorrente da difusão maciça de uma tese: de que a repressão estatal numa sociedade profundamente desigual e injusta acaba se voltando obrigatoriamente contra os menos favorecidos.
Será? Talvez seja exatamente o contrário. Quem precisa da presença ativa do Estado contra o crime são exatamente os mais pobres.
Quem tem dinheiro suficiente pode morar em condomínios bem protegidos, ter segurança particular, comprar carro blindado e contratar guarda-costas. Quem não tem, espera que o governo cumpra a obrigação dele e dê um jeito de o cidadão sair de casa sem sofrer a ameaça de uma bala perdida ou de ser metralhado por bandidos só porque deu na telha deles. E isso, como se viu no Rio, não é só uma construção de linguagem.
A glamurização do crime, especialmente a cultural, é particularmente perversa com quem mais necessita do combate sem tréguas do Estado contra o crime. Trata-se de um óbvio ululante.