Publicado em: 29/10/2009
Para especialistas, burocracia dificulta internação de “pacientes em crise”. Governo afirma que está capacitando agentes e que ampliará leitos.
Médicos especializados no atendimento de viciados em drogas afirmam que o principal entrave para o tratamento adequado dos pacientes na rede pública de saúde é a falta de leitos e a burocracia para internação hospitalar, considerada indispensável no caso de usuários de crack 'em crise', quando eles perdem a consciência sobre seus atos.
De acordo com os especialistas, o crack é uma das drogas mais prejudiciais e que tornam o viciado mais violento. Sua absorção é maior do que das drogas injetáveis.
No último fim de semana, um músico viciado em crack de 26 anos estrangulou e matou uma amiga de 18 anos. O episódio levou famílias de baixa renda a relatar dificuldades em internar dependentes químicos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
O Ministério da Saúde informou que tem projeto para ampliar os leitos para saúde mental em hospitais gerais até 2010. Sobre a burocracia, o órgão do governo disse que a lei 10.216/2001 estabelece critérios para internação nos casos de saúde mental para garantir a liberdade individual de cada cidadão.
A legislação determina que a internação para os pacientes psiquiátricos precisa de laudo médico que comprove sua necessidade. Há três tipos de internação: a voluntária, com consentimento do paciente; a involuntária, no caso de menores de idade ou pacientes em crise; e a compulsória, quando a Justiça determina a internação. No caso de internação involuntária, o hospital deve comunicar o Ministério Público estadual em até 72 horas.
Para o psiquiatra Marco Antônio Bessa, do departamento de dependência química da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), o número limitado de vagas para internar pacientes viciados em crack é "um dos grandes problemas" para o tratamento na rede pública.
"Os pacientes dependentes do crack geralmente estão em situação muito grave. Dificilmente conseguem se manter em abstinência só com atendimento ambulatorial. Necessariamente precisam de um período de internação. Não dá para confundir crack com maconha, por exemplo. Crack é muito complicado", afirma Bessa.
O psiquiatra da ABP diz ainda que a internação compulsória, quando o paciente não está em crise, pode ser um pouco mais demorada. "Mas no caso de circunstância de emergência, interna involuntariamente. Não dá para esperar questões administrativas. É como um infarto, tem que prestar socorro imediatamente."
Na avaliação do diretor do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, Elisaldo Carlini, também professor de psicofarmacologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a falta de vagas é realidade.
"O principal problema é a dificuldade de não ter serviço em quantidade suficiente. Acrescente nisso a burocracia infernal das internações", afirma.
Carlini diz, porém, que outra dificuldade para vencer o problema não tem a ver com infra-estrutura pública, mas sim, vontade política. "Não adianta só culpar o governo. Todos somos culpados porque não nos mobilizamos para resolver o problema. Então, quando acontecem casos graves, a sociedade entra em pânico.
O professor coordenou um levantamento nacional em 2005, feito nas 108 maiores cidades do país, que mostrou que 0,7% dos entrevistados entre 12 e 65 anos consumiram crack pelo menos uma vez na vida.
"O número é pequeno em termos de população geral. É que é uma droga que faz as pessoas entrarem em estado de violência e paranoia. Não podemos esquecer que é um problema grave, mas que afeta proporcionalmente menos gente do que o álcool afeta."
O Cebrid está em fase de finalização da parte burocrática, segundo o professor, para uma realizar uma pesquisa sobre consumo de drogas por estudantes nas 27 unidades da federação. A pesquisa deve começar em 2010.
Ajuda da família
Também especialista em drogas, a professora Maria Fátima Olivier SudBrack, do Departamento de psicologia clínica da Universidade de Brasília (UnB), e coordenadora do Programa de Estudos e Atenção às Dependências Químicas (Prodec) da universidade, afirma que defende as internações apenas para casos graves e concorda que a falta de leitos prejudica o tratamento nessas situações.
Ela afirma, porém, que as famílias devem procurar ajuda médica antes de a situação se tornar grave. "Além disso, Maria Fátima diz que não adianta somente parar de usar o crack, o importante é garantir que não haja reincidência. "Precisa de um trabalho mais amplo. Não é só questão de saúde pública, é questão social também. E precisa ainda pensar na vida afetiva dessas pessoas. Não se resolve tudo com internação, tem que pensar mais além."
Maria Fátima afirmou que as autoridades precisam estar preparadas para atender os viciados em crack "em crise" após a internação. "Quando a situação é de risco tem que intervir. Mas, passada a crise, vem outra dimensão do trabalho. E aí tem de haver integração entre as pastas da Saúde, Assistência Social e Justiça."
Ações do governo
O Ministério da Saúde afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que o governo federal lançou em junho deste ano o Plano Emergencial de Ampliação do Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e Drogas (PEAD), que prevê investimento de 117 milhões até o fim de 2010.
O governo afirma que atua em três níveis para reforçar a atenção aos usuários de álcool e drogas. Na "atenção básica", no Programa Saúde da Família, o governo diz que são 29 mil equipes e 240 mil agentes comunitários de saúde que desde 2003 recebem treinamento para abordagem dos dependentes químicos. O ministério disse que 5 mil agentes já foram treinados e outros 10 mil estão em treinamento.
No atendimento ambulatorial, o governo disse vai criar até o fim do ano que vem 90 Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPs AD) em todo país.
De acordo com o ministério, o plano prevê ainda aumentar os atuais 2.600 leitos em todo país para saúde mental para mais de 4 mil leitos até 2010. Nos hospitais psiquiátricos de todo Brasil, são 35 mil leitos segundo o governo. A estimativa é de que entre 20% e 30% dos leitos de saúde mental sejam destinados para usuários de álcool e drogas.
Sobre a burocracia para internação de usuários de drogas citada por especialistas, o governo disse que as internações seguem o previsto em lei para garantir a liberdade individual. O governo orientou que, se a equipe médica detectar necessidade de internação, o ideal é que a família procure a adesão do paciente ao tratamento.
Para Marco Antônio Bessa, da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), a internação de pacientes viciados em crack é "uma questão técnica, não ideológica".
"Não faz sentido eu ser contra a UTI ou choque em caso de parada cardíaca. São situações assustadoras, mas precisam ser feitas para preservar a vida da pessoa. Quem não conhece o crack imagina que a pessoa tem consciência preservada e que pode resolver isso por vontade própria. A realidade não é assim, a pessoal fica completamente fora de si."
O governo informou uma pesquisa específica sobre o consumo do crack no país está em fase de realização e deve abordar as mais eficazes formas de tratamento. O levantamento deve ficar pronto em três meses.