Publicado em: 15/11/2009
Procuradoria-Geral da República apura se Everardo Maciel, que comandou o fisco nos dois governos FHC, beneficiou AmBev
Advogados de Everardo negam envolvimento e entraram com habeas corpus contra o inquérito policial; Justiça ainda não decidiu
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel virou alvo de uma investigação criminal determinada pela Procuradoria-Geral da República. Paira sobre Everardo a suspeita de ter agido ilegalmente para beneficiar a fabricante de bebidas AmBev.
No centro da discussão está um contrato com a cervejaria assinado pelo ex-secretário cinco meses após ter deixado a Receita, no final de 2002. Ele se tornou consultor da AmBev em maio de 2003, tendo recebido R$ 1,314 milhão somente naquele ano.
O caso gerou um embate incomum entre a Procuradoria da República de primeira instância e a PGR, alçada máxima do Ministério Público Federal. O primeiro procurador sorteado para cuidar do assunto, Luiz Fernando Vianna, entendeu não haver elementos para denunciar Everardo e propôs o arquivamento. Mas a PGR discordou e ordenou que as investigações fossem retomadas.
O episódio tem sua origem num trabalho da Corregedoria-Geral da Receita, iniciado em 2003, contra suposta "venda de legislação" no fisco na gestão de Everardo. Os alvos centrais da corregedoria eram dois assessores diretos do ex-secretário da Receita. Everardo comandou o fisco durante os dois mandatos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Em 2005, os integrantes da comissão de inquérito da corregedoria receberam a informação do contrato entre Everardo e AmBev.
Levantaram então a suspeita de que o vínculo do ex-secretário com a fabricante de bebidas pudesse ter relação com duas instruções normativas editadas pela Receita no começo de 2004, já no governo do presidente Lula.
As instruções foram assinadas pelo sucessor de Everardo no comando do fisco e seu homem de confiança, Jorge Rachid. As medidas foram amplamente favoráveis à AmBev em comparação a seus concorrentes, segundo analistas especializados no setor de bebidas.
A corregedoria acreditou tratar-se de mais um exemplo de "venda de legislação". Daquela vez, porém, tendo Everardo como possível beneficiário do esquema. Os auditores fizeram então uma representação contra o ex-secretário no Ministério Público Federal no Distrito Federal.
Assim, em 2007, instaurou-se um procedimento administrativo, que é uma fase anterior ao processo. Nesse período, o Ministério Público Federal, auxiliado pela Polícia Federal, tenta reunir elementos para oferecer a denúncia. Na falta de indícios mínimos para sustentar uma ação, propõe à Justiça o arquivamento -foi essa a posição do procurador Luiz Fernando Vianna.
"Esse caso é fantasioso. Ser acusado de quê? De qual norma, de qual regra, de qual coisa? De todas as leis [que tratam da tributação de cerveja], uma é anterior à minha administração, e a outra, posterior. É uma enorme desinformação. Eu não tenho nada a ver com isso", afirmou Everardo.
Contudo, o juiz Marcus Vinícius Reis Bastos, da 12ª Vara Federal de Brasília, considerou precipitada a posição do procurador e não quis simplesmente engavetar o procedimento, remetendo o caso, em novembro do ano passado, para a Procuradoria-Geral da República.
Em maio deste ano, a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão em Matéria Criminal (da PGR) votou pela continuação da investigação. Reencaminhou então o procedimento ao Ministério Público Federal do Distrito Federal para sortear um novo procurador (José Diógenes Teixeira).
Um ponto não esclarecido pelo trabalho inicial do Ministério Público são as condições dos pagamentos da AmBev ao ex-secretário da Receita.
Pelo contrato com a cervejaria, Everardo recebia uma quantia fixa por mês, mais "uma remuneração variável com base no cumprimento das metas ajustadas entre as partes, constantes do anexo".
Do total recebido por Everardo em 2003, R$ 1,04 milhão foi pago de uma só vez, em dezembro daquele ano.
Antes de sugerir o arquivamento, o Ministério Público solicitou à AmBev três vezes o anexo do contrato. A cervejaria nunca entregou o documento.
"Aí já saí da vida pública e estou na minha vida privada. São contratos particulares privados que eu tenho", disse Everardo, sem explicar a cláusula.
Em agosto, os advogados de Everardo entraram com um pedido de habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, solicitando o arquivamento do procedimento criminal. Mas o TRF ainda não se manifestou sobre o assunto.
A Folha conseguiu obter acesso ao habeas corpus e a todos os documentos solicitados pelo desembargador, nos quais o episódio é detalhado passo a passo.
Outro lado
Ex-secretário Everardo nega acusações e vê erro jurídico
O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel apresenta uma série de argumentos para afirmar que a decisão da Procuradoria Geral da República, de determinar a continuidade da investigação contra ele, é um erro jurídico.
Já a fabricante de bebidas AmBev diz que as mudanças no recolhimento de PIS e Cofins promovidas pela Receita tiveram o mérito de coibir a sonegação e, por consequência, aumentar a arrecadação dos tributos em todo o setor.
Everardo lembra que o mesmo objeto do procedimento do Ministério Público, o suposto favorecimento à AmBev, foi abordado em caráter administrativo pelo Ministério da Fazenda, ao qual a Receita está subordinada.
No ano passado, o então procurador-geral da Fazenda Nacional, Luís Inácio Adams (hoje advogado-geral da União), entendeu que não havia nada contra Everardo nem contra seu sucessor no fisco, o ex-secretário Jorge Rachid. Adams recomendou que o caso fosse encerrado, o que o ministro Guido Mantega, da Fazenda, acatou.
"Se não existe matéria administrativa, como pode haver representação criminal, que é muito mais grave, exige provas?", questionou Everardo.
Ele destacou que o procedimento do Ministério Público foi instaurado a partir de um termo de constatação da Corregedoria-Geral da Receita, não de um inquérito policial.
"O juiz julgou que era uma constatação de um inquérito. Ele não sabia que já foi concluído [na esfera administrativa] e que não tinha mais acontecido aquela coisa. E tomou a decisão, que eu entendo, com o devido respeito, errada", disse.
"Tanto não havia [elementos contra ele] que mandaram fazer nova investigação", completou o ex-secretário.
Everardo ressaltou também que o presidente da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão em Matéria Criminal, o sub-procurador-geral da República, Wagner Gonçalves, votou pelo arquivamento do caso, mas foi vencido pelos demais membros da câmara.
Everardo diz também que obteve vitórias em todas as ações das quais foi alvo movidas pelo Ministério Público Federal no caso da suposta "venda de legislação". Nenhum dos processos até aqui, contudo, transitou em julgado.
A reportagem não conseguiu entrar em contato com o ex-secretário Jorge Rachid, atualmente em Washington como adido tributário.
Por meio de sua assessoria, a AmBev informou que em 2004 passou a recolher 120% a mais de PIS e Cofins do que em 2002. Entretanto, os especialistas no setor destacaram que os concorrentes da cervejaria teriam um aumento ainda maior no recolhimento dos tributos.
De acordo com a cervejaria, as medidas da Receita foram mais duras contra os fabricantes de bebidas que sonegavam impostos. Por esse motivo, ressaltou sua assessoria, os analistas especializados no setor disseram que a AmBev teria sido beneficiada.
Sobre Everardo Maciel, a AmBev informou que só o contratou após seu período de quarentena, cumprido depois de ter deixado o fisco.
Quanto à cláusula de remuneração variável do ex-secretário, a AmBev deu a mesma resposta de Everardo, de que se tratava de um contrato privado entre as partes.
Leia a seguir comentário do Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal no governo Fernando Henrique Cardoso, no Blog do Luis Nassif:
Meu caro Nassif,
Em nome do respeito que tenho por sua integridade, credibilidade profissional e alcance como formador de opinião pública, obrigo-me a comentar brevemente essa matéria, veiculada no seu blog.
1. O objeto da matéria é lei, de iniciativa parlamentar e sancionada no Governo Lula – aliás, irrepreensível.
2. o Jornalista que subscreve a matéria é réu em processo que movi contra ele, por danos morais.
3. O autor indireto da matéria é servidor, desafeto pessoal, contra qual determinei abertura de inquérito por suspeita de favorecer seu próprio irmão em procedimentos de fiscalização.
4. Preciso falar mais? Terá sido represália pelos meus comentários desmascarando sandices veiculadas pela última gestão da Receita, tendo como porta-voz o jornalista que assinou a matéria? Trata-se de vingança pessoal. Como reparar uma difamação?
5. Agradeço aos que espontaneamente contestaram neste blog a vileza da reportagem.