Visão é compartilhada por Promotoria da Infância e Juventude de Ribeirão, Fundação Casa e Diju (Delegacia da Infância)
Autoridades dizem que garoto está carregando mais droga, ascendeu na hierarquia e ocupa até cargos de chefia no tráfico
Edson Silva/Folha Imagem
Vitor e Lucas (nomes fictícios), que estão na Fundação Casa de Ribeirão por envolvimento com tráfico
JULIANA COISSI DA FOLHA RIBEIRÃO
O adolescente tem conquistado uma autonomia cada vez maior na hierarquia do tráfico de drogas em Ribeirão Preto. Antes limitado à função de "aviãozinho", de levar uma porção de maconha ou cocaína de um lugar para outro, o garoto hoje carrega uma quantidade maior de drogas, um volume maior de dinheiro e, em alguns casos, assume cargo de chefia. A constatação é da Promotoria da Infância e Juventude de Ribeirão, da Fundação Casa (antiga Febem) e da Diju (Delegacia da Infância e Juventude). "Temos nos deparado com uma situação de maior importância do adolescente dentro do tráfico, até no comando de subordinados", disse o promotor Naul Luiz Felca. A ascensão dentro da hierarquia do tráfico confere maior poder ao adolescente, inclusive quando ele está sob medida de internação, segundo o coordenador regional da Fundação Casa, Roberto Damásio. "Vemos um menino que chega com mais poder de questionamento dentro das unidades. Contesta mais, não acata imediatamente", disse Damásio. "E ele também ganha mais respeito com os adolescentes da unidade, dependendo do grau de poder que exercia fora." Na Diju, o perfil do adolescente tem mudado, segundo a delegada Marina Franco da Rocha. "A quantidade de drogas com o garoto está maior. Antes, ele chegava com quatro, cinco cápsulas de cocaína. Agora vem com 15", disse. Há três meses, a Dise, delegacia especializada em crimes envolvendo drogas, flagrou um garoto de 17 anos chefiando uma boca de tráfico. "Nós constatamos que o adolescente chefiava até maiores de idade", disse o delegado Udelson Canova Simionato. Na opinião de Simionato, o menor rigor da lei com os adolescentes é o que explica o envolvimento deles com funções de maior risco. Um fator, porém, pode estar camuflado na suposta autonomia do adolescente. Segundo o delegado, muitas vezes, o menor se apresenta como dono da droga, mas está tentando acobertar seus chefes, como forma de ganhar prestígio no futuro. Já o juiz da Infância e Juventude de Ribeirão, Paulo César Gentile, não concorda que os garotos estão ganhando autonomia maior no tráfico. Segundo ele, os adolescentes ainda são pegos com pequenas quantidades de drogas, vendendo-as nas esquinas. Para Gentile, o que ocorre é um envolvimento cada vez maior de garotos com o tráfico. Nas unidades de de Ribeirão hoje, de 335 internos, 44,1% estão privados da liberdade por causa do tráfico de drogas, segundo dados da Fundação Casa.
Garotos da droga discursam como empresários
DA FOLHA RIBEIRÃO
"Quando você começa um negócio na cidade, quase ninguém te conhece. Aí, depois, você vai pegando cliente." A frase pode parecer de um microempresário legalizado, mas é só a explicação de Lucas (nome fictício), hoje com 18 anos, que está internado há quatro meses na Fundação Casa de Ribeirão por ter sido flagrado traficando droga. Lucas sempre conviveu com a droga no Cruzeiro do Sul, bairro da periferia de São Carlos. Aos 15 anos, começou a trabalhar em um lava-rápido. Ganhava R$ 320 por mês. Foi quando começou a perceber que os colegas que vendiam drogas "esbanjavam dinheiro na balada". Aos 16, começou a vender cocaína na pracinha perto de sua casa. O então adolescente vendia cada papelote de 8 mg por R$ 10. A cada dez papelotes, ganhava dois. "Eu ficava só de noite, mas um dia vi que estava sozinho, me arriscando à noite com pouco ganho." Negociou, então, com seu fornecedor e passou a pegar 50 g para vender em pontos espalhados -festas, praças etc. "O dinheiro é muito, mas a gente gasta tudo com festa, balada. Eu comprei bicicleta, comprei roupas", disse. Após ser pego em flagrante pela polícia, foi internado na fundação, em Ribeirão. Agora, disse que só pensa em sair de lá e ter um emprego fixo e formal como o pai, que trabalha como caldeireiro. Vitor (nome fictício), hoje com 18 anos, começou também por baixo no tráfico. Aos 14 anos, a função dele era buscar droga para o traficante em outras cidades. "Eu viajava de ônibus. Algumas vezes, me barraram por ser menor e estar sozinho." Aos 15 anos, decidiu montar o próprio negócio. Começou a buscar a droga do fornecedor para vender na esquina de casa e contratou um menino mais novo para ajudá-lo no negócio. O trabalho era pesado: começava às 14h e varava a madrugada até 6h. De R$ 700, no início, passou a vender R$ 5.000 por semana. Às vezes, também oferecia droga na porta da escola. O lucro, porém, não lhe rendeu alegrias. "Hoje, estou aqui e tenho um filho de oito meses lá fora. A gente acha que, se for pego, são só alguns meses, mas o tempo não passa aqui."
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