Publicado em: 07/12/2009
Christian Rizzi/Gazeta do Povo

O clínico-geral Alessandro
Machado mostra raio X: exame é feito em passageiros suspeitos
Pobres e sem perspectiva, “mulas” arriscam a vida para levar cápsulas
da droga dentro do corpo
Foz do Iguaçu - Uma prática
suicida adotada pelo narcotráfico na Colômbia, no Peru e na Bolívia ganhou
força na fronteira do Brasil com o Paraguai: a ingestão de cápsulas de cocaína
para driblar a fiscalização policial. Sob o comando de traficantes, homens e
mulheres, chamadas de mulas do tráfico, sujeitam-se a transportar a droga
dentro do próprio corpo em troca de dinheiro. Nem mesmo o risco de perder a
vida inibe as tentativas da ação, batizada de crime dos miseráveis. De janeiro
a novembro deste ano, a Polícia Federal (PF) prendeu 15 pessoas no Aeroporto
Internacional de Foz do Iguaçu com cocaína no abdome, 13 delas de origem
paraguaia. No ano passado, foi registrada apenas uma ocorrência. Em Ciudad Del
Este, a polícia flagrou uma mula neste ano.
A ingestão de cocaína é uma
roleta-russa. A qualquer momento o recipiente pode romper-se e matar o
portador. Foi o que aconteceu com a paraguaia Ninfa Ramona Cabalero, 27 anos,
em julho. Ela levava 60 cápsulas de cocaína para a Europa, mas foi barrada pela
PF no aeroporto de Foz do Iguaçu. Enquanto tomava laxante para expelir o
entorpecente no hospital, uma das cápsulas estourou, provocando sua morte.
Outro detido precisou ser submetido a uma cirurgia para a retirada da droga.
Cada cápsula contém uma média de 13 gramas de cocaína e tem de 8 a 12
centímetros.
Pobreza é fator determinante
A doutora em Educação e
professora da Universidade Federal do Paraná Araci Asinelli da Luz, estudiosa
de políticas públicas de prevenção às drogas, diz que um conjunto de fatores
leva as pessoas a se submeterem à prática autodestrutiva do tráfico, incluindo
a ausência de uma política pública adequada e a falta de oportunidade gerada
pelo atual modelo econômico, que é competitivo.
Geralmente, o indivíduo vê no
tráfico o principal meio de vida por falta de esperança, expectativa de vida e
sonhos, explica a professora. Ela ainda diz que são pessoas em vulnerabilidade
pessoal e social, sem formação escolar ou projetos para o futuro e que se veem
em uma outra sociedade, na medida em que contestam os valores existentes e
criticamente não acreditam que algo vai mudar. “Por isso acabam se submetendo a
este tipo de situação”, analisa.
A professora ainda explica que os
envolvidos, principalmente jovens, são seduzidos pelo sonho de consumo. E para
conseguir os bens materiais que desejam recorrem ao tráfico. “Qual é a forma
fácil de resolver esta questão? Aquela na qual você não precisa ter
conhecimento, estudo. Só precisa ser esperto: o tráfico”.
O delegado-chefe do Núcleo de
Migração da PF de Foz do Iguaçu, Antônio Gabriel Pucci, alega que o aumento do
número de prisões deve-se ao arrocho da fiscalização no aeroporto. Os
flagrantes de cocaína camuflada em malas de viagem levaram os traficantes a
usar outras formas de furar a fiscalização.
Sinais suspeitos
Os policiais usam técnicas e a própria experiência para identificar as mulas do tráfico. A entrevista com suspeitos, segundo Pucci, é uma das estratégias para descobrir se o passageiro leva ou não a droga no abdome. Checar passaportes, documentos, o motivo e o destino da viagem e quanto a pessoa leva em dinheiro são alguns dos procedimentos. Durante a entrevista, muitos acabam confessando o crime, mas em alguns casos a polícia só consegue a prova após o suspeito ter sido submetido a um exame de raio X. O destino da droga é a Europa, mas há escalas no Rio de Janeiro ou em São Paulo.
Embora a atividade seja de alto
risco, a situação de miséria na região da fronteira acaba levando as mulas a
transportar drogas. Segundo a polícia, a maioria dos presos se submete à
situação porque precisa de dinheiro. Para cada carregamento, eles ganham de 3 a
5 mil euros, segundo a polícia. Em Foz do Iguaçu, duas pessoas da mesma família
já foram flagradas.
Segundo a polícia paraguaia, os
presos pertencem a famílias de baixa renda e têm as mais variadas idades. O
agente Lopez, da Senad paraguaia, diz que os transportadores são pessoas
humildes, seduzidas por traficantes. “Eles fazem uma lavagem cerebral e também
ameaças”, conta.