Mentes que crescem

Publicado em:  28/12/2009

Aula de introdução à matemática em escola de Buffalo, Nova York; neurociência desafia premissas sobre a educação precoce


Durante grande parte do último século, educadores e muitos cientistas acreditaram que não era possível ensinar matemática a crianças com menos de cinco anos, porque seus cérebros simplesmente não estariam preparados.

Mas recentes pesquisas contestam essa premissa -junto com ideias convencionais a respeito de geometria, leitura, linguagem e autocontrole em classe. As conclusões, especialmente no ramo da pesquisa chamado neurociência cognitiva, estão ajudando a esclarecer quando os jovens cérebros são capazes de absorver conceitos fundamentais.

Em um recente estudo, por exemplo, os pesquisadores descobriram que a maioria dos alunos, ao entrar na pré-escola, é capaz de realizar divisões rudimentares, como distribuir doces entre dois ou três animais de brinquedo.

Em outra pesquisa, cientistas concluíram que a capacidade de vincular combinações de letras com sons pode não estar totalmente desenvolvida até os 11 anos -muito depois do que se supunha.

Em várias cidades dos EUA, como Boston, Washington e Nashville, as escolas testam novos currículos para melhorar a habilidade matemática de pré-escolares. Em outras, professores usam técnicas desenvolvidas por cientistas do cérebro para ajudar as crianças a superarem a dislexia.

E, em cerca de 12 Estados dos EUA, as escolas começaram a usar um programa destinado a acelerar o desenvolvimento do lóbulo frontal dos jovens alunos, melhorando o autocontrole em classe.

"Ensinar é um ofício antigo, mas ainda não tivemos realmente noção de como isso afetou o cérebro em desenvolvimento", afirmou Kurt Fischer, diretor do programa Mente, Cérebro e Educação na Universidade Harvard. "Bem, isso está começando a mudar, e pela primeira vez estamos vendo os campos da ciência cerebral e da educação trabalharem juntos."

A relação é nova e ainda complicada, segundo especialistas, e há mais hipérbole do que evidências por trás de muitos produtos comerciais "baseados no cérebro". Mas há outros, como um programa de matemática precoce adotado nas escolas de Buffalo, Nova York, que têm um histórico de sucesso.

Aula de introdução à matemática em escola de Buffalo, Nova York; neurociência desafia premissas sobre a educação precoce

Se essas e outras iniciativas encontrarem apoiadores nas escolas, dizem os especialistas, elas podem transformar o ensino de alto a baixo -dando ao antigo ofício uma moderna bússola científica.

Uma típica classe de pré-escola dedica poucos minutos por dia, ou nada, ao ensino da matemática, segundo estudos recentes -bem menos do que a maioria das crianças suporta, e nem de longe suficiente para preparar aqueles que, privados de jogos relacionados à matemática em casa, ficam rapidamente para trás no jardim da infância.

"Quando isso acontece, pode ser muito difícil recuperar", disse Julie Sarama, pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade de Buffalo, que, junto com seu colega e marido Doug Clements, desenvolveu um programa chamado Building Blocks ("blocos de construção") para enriquecer o ensino precoce da matemática.

Numa sala Building Blocks, os números estão no trabalho de artes, nos jogos de computador e nas aulas, dividindo tempos iguais com as letras. Como em "Vila Sésamo", o Building Blocks promove criativos jogos de contar, mas também foca em outras habilidades, como conjuntos e a correspondência individual (ligar xícaras a pires, por exemplo).

Numa tarde recente no Centro Stanley M. Makowski da Primeira Infância, na Escola Pública 99 de Buffalo, a aula incluía várias lições e atividades relacionadas à matemática, bem como programas de computador, tudo aproveitando conclusões da ciência cognitiva.

Quando se trata de entender os números, por exemplo, pesquisas recentes sugerem que um bebê distingue um objeto de dois, e dois de três. Na pré-escola, o cérebro já pode lidar com números maiores e sofre para vincular três conceitos cruciais: quantidades físicas (sete bolinhas de gude, sete centímetros), os abstratos algarismos ("7") e as palavras correspondentes ("sete").

As crianças começam a reconhecer formas geométricas a partir dos 18 meses, segundo os estudos; na pré-escola, o cérebro já pode absorver definições geométricas informais. Desde que ensinadas adequadamente.

Num estudo publicado no ano passado, cientistas da Universidade Carnegie Mellon, de Pittsburgh, disseram que jogos de tabuleiro aparentemente simples, de conceitos numéricos básicos, aceleram a compreensão dos números para pré-escolares de baixa renda.

Um "instinto numérico" rudimentar está inscrito na anatomia do cérebro, de acordo com estudos recentes. Mamíferos podem rapidamente reconhecer as diferenças em quantidade, escolhendo a árvore com mais frutas. Os seres humanos, mesmo em culturas remotas sem educação matemática formal, também têm uma compreensão geral das quantidades, segundo os antropólogos.

Em uma série de recentes estudos por imagens, cientistas descobriram que uma lasca do córtex parietal na superfície do cérebro, cerca de 2,5 cm acima das orelhas, fica particularmente ativa quando o cérebro julga quantidades.

Nessa área, chamada sulco intraparietal, grupos de neurônios são sensíveis à visão de quantidades específicas, sugerem as pesquisas. Alguns disparam vigorosamente à visão de cinco objetos, por exemplo, e menos à visão de quatro ou seis, e nada quando aparecem dois ou nove. Outros são mais sensíveis a um, dois, três etc.

Envolvidas em uma lição ou um exercício, essas regiões se comunicam ativamente com áreas do lobo frontal, centro do planejamento e do raciocínio crítico.

"É isso que acreditamos que a educação focada na matemática faz: ela aguça o acionamento desses neurônios da quantidade", disse Stanislas Dehaene, neurocientista cognitivo do Collège de France, em Paris.


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