Publicado em: 05/01/2010
Tecnologia e Meio Ambiente
Pesquisadores mostram que ele não é um mal exclusivo dos tempos
modernos e que já estava presente entre os incas no século VI
Conhecido como um dos males do
nosso tempo, o stress não é exclusividade deste século nem do anterior. Muito
antes da era do trânsito caótico, e até mesmo da Revolução Industrial, a
civilização inca, que viveu entre 550 e 1532, já sofria desse mal. A conclusão
é de uma equipe de arqueólogos da Universidade de Ontário Ocidental, no Canadá,
que analisaram amostras de cabelo de restos mortais de dez indivíduos,
provenientes de cinco diferentes sítios arqueológicos no Peru. Os pesquisadores
encontraram cortisol - hormônio responsável pelo stress - em níveis superiores
aos verificados em pessoas que passaram por estudos clínicos recentes. "O
cortisol estava mais alto naqueles que, depois de alcançar tais níveis,
morreram. Esses indivíduos podem ter desenvolvido uma doença que levou algum
tempo para matá-los e essa talvez tenha sido a causa do stress", diz a
arqueóloga Emily Webb, que conduziu a pesquisa.
Quando alguém se estressa, o
cortisol é liberado para quase todas as partes do corpo, o que inclui sangue,
saliva, urina e cabelo. Por isso, os cientistas canadenses aliaram métodos
tradicionais da arqueologia, como pesquisa de campo e escavação, com novas
técnicas de estudo bioquímico. "Agora podemos ter um bom retrato de como
era a vida de nossos ancestrais e como eles respondiam a intempéries como as
doenças", diz Emily. Mais importante, porém, segundo a arqueóloga, é
entender melhor o stress e como ele nos afeta: "Tanto nas sociedades
ancestrais como nas contemporâneas, tem papel significante na saúde e na
qualidade de vida", diz ela. "Apesar de o stress que as pessoas
experimentavam no passado ser diferente do que temos hoje, o estudo nos ajudará
a entender melhor o seu impacto tanto no lado psicológico como em termos de
bem-estar."
A civilização inca
habitou territórios da América do Sul que hoje compõem o Chile e fazem parte
do Peru, Equador, Bolívia e Argentina. É dela a autoria de uma das construções
mais enigmáticas da história humana: a cidade de Machu Picchu, conjunto de
edificações localizado no Peru, que recebe milhares de turistas todos os anos.
Além de possuir avançados
conhecimentos de astronomia, os incas dominavam técnicas de construção baseadas
no encaixe milimétrico de pedras de diferentes formatos, o que torna impossível
a passagem de qualquer objeto por entre elas. A forma como eles cortavam as
pedras permanece um mistério. Esse conhecimento foi suprimido sumariamente
quando os espanhóis chegaram à região, em 1532. Eles aproveitaram o episódio de
uma guerra entre clãs para exterminar a população e dominar o território. Machu
Picchu, porém, foi preservada.
Antes de morrer golpeado por um
soldado espanhol, um inca certamente teve seus níveis de cortisol rapidamente
aumentados. A análise nos fios de cabelos verificou que muitos indivíduos
tiveram eventos de stress pouco antes da morte. A maioria, porém, apresenta
múltiplas ocorrências semelhantes ao longo dos últimos anos de vida.
"É possível que o stress tenha
aumentado nesses indivíduos quando eles estavam à beira da morte. Por outro
lado, o fim da vida pode acontecer de repente, sem tempo de haver mudanças nos
níveis de cortisol que cheguem até o cabelo", diz Emily. Sua equipe agora
está comparando os dados de cortisol com outras análises bioquímicas das
amostras. Com esse novo passo da pesquisa, os arqueólogos pretendem avaliar
melhor o que estava acontecendo na vida de cada indivíduo à época de sua morte,
o tipo de stress vivido e a relação desse estado mental com a saúde e o
comportamento.
Além das doenças, tudo que um
indivíduo percebe como sendo stress - seja psicológico, seja social - tem
efeito sobre seus níveis de cortisol. Portanto, períodos de seca, problemas
nutricionais e ferimentos podem ser outros fatores que tiravam a paz do povo
inca. A partir de agora, será preciso pensar bem antes de dizer que não pode
haver nada mais estressante no mundo do que um engarrafamento numa sexta-feira
à tarde.