Vício coletivo por erva proscrita em outros países move o Iêmen

Publicado em:  28/03/2010

Cerca de 80% dos homens e 50% das mulheres do país mais pobre do Oriente Médio mascam qat, droga contraindicada por ONU e OMS.

Para adeptos, erva clareia ideias, serve de antídoto contra o cansaço, aumenta a potência sexual e pode até aproximar usuário de Deus

 

Consumida por 80% dos homens e 50% das mulheres no Iêmen, a erva qat altera a consciência, vicia, afeta o bolso dos mais pobres, inibe a produtividade e alimenta redes de contrabando internacional. A ONU e a Organização Mundial da Saúde a consideram uma droga e recomendam que seu comércio seja, no mínimo, mais controlado. Mas, para a maioria dos iemenitas, mascar qat é um hábito cultural inofensivo.

A erva é onipresente no país mais pobre do Oriente Médio. Homens caminham pelas ruas com as bochechas inchadas de tanto qat. Motoristas seguram o volante com uma das mãos enquanto a outra leva as folhas até a boca. Policiais orientam o trânsito com fisionomia de quem está ruminando. Os sorrisos deixam à mostra rastros verdes nos dentes.

Dentro das casas, o consumo é coletivo e ocorre geralmente na sala de estar, onde os homens se acomodam em compridos colch ões colocados rente às paredes, em meio a uma fartura de almofadas.

É durante a tarde que as pessoas se reúnem para "estocar [erva na boca]", conforme o verbo usado em árabe.

A vida no Iêmen parece voltada para um vício coletivo. Repartições públicas fecham às 14h, e o movimento no comércio despenca nas tardes. Só as feiras de qat, onde vendedores ficam sentados no chão rodeados por sacolas, permanecem cheias de gente o dia todo.

Antes do consumo, as folhas devem ser separadas dos pequenos galhos. As maiores têm o tamanho de um polegar e são colocadas aos montes na boca. A mastigação é feita de um só lado. Recomenda-se não engolir a maçaroca, que pode ser mascada durante horas.

O qat, dizem os adeptos, clareia as ideias e propicia longas e agradáveis conversas entre amigos. A erva também é vista como um poderoso antídoto contra o cansaço. Há quem garanta potência sexual extra.

A prova mais simbólica da aceitação sem co mplexo do qat está no fato de os iemenitas não verem problema em rezar sob os efeitos da planta. Para alguns clérigos do Iêmen, o qat favorece o elo com Deus.

Muitos discordam, inclusive a elite religiosa da vizinha Arábia Saudita, onde o qat é combatido -as escrituras vetam rezas em estado alterado.

No plano sanitário também há ampla condenação. O qat, segundo estudos médicos, pode causar transtornos que vão de crises de paranoia a surtos de agressividade. A erva é banida em quase todo o mundo. Nos EUA é considerada droga Categoria 1, como a heroína e o LSD.

A droga está destruindo o Iêmen, garante a associação Por um Iêmen sem Qat, financiada por uma família de ricos intelectuais. "É um hábito que ocupa a maior parte do tempo das pessoas. Pais e mães passam mais tempo mascando do que cuidando dos filhos", disse à Folha Adel al Jaraza, diretor-executivo da associação.

O maior problema, segundo al Jaraza, é ec onômico. "As pessoas gastam mais com qat do que com comida", aponta.

O plantio de qat é tido como vilão do setor agrícola, por usar 40% dos recursos hídricos do país. A produção, quatro vezes mais rentável do que a de frutas, cresce 15% ao ano, acompanhando a alta do consumo.

O governo diz combater o qat, mas não ousa proibi-lo. Muitas fazendas pertencem ao alto escalão oficial.

"O problema não é o qat, é a pobreza, o desemprego e a falta de lazer. Em Sanaa, não há nem sequer um parque decente para passear. Não nos restará nada se proibirem o qat", diz o servidor Brahim Medani.

 


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