Histórico materno tem influência na anorexia

Publicado em:  30/04/2010

 

Mães de jovens com o problema tiveram relação ruim com a comida, diz estudo. Para especialistas, mulheres tentam compensar restrição alimentar oferecendo muita comida para as filhas, o que acaba gerando problemas

A anorexia pode ser uma herança psíquica materna. Uma pesquisa feita com mães de adolescentes que sofrem do distúrbio mostrou que todas apresentam, em seu histórico de vida, uma relação problemática com a comida.

O transtorno, que envolve distorção da imagem corporal, baixo peso e medo exagerado de engordar, é desencadeado por vários fatores, mas a relação da família com a alimentação parece ter grande peso.

O estudo qualitativo, conduzido pela psicóloga Christiane Baldin Adami Lauand, investigou os hábitos alimentares de mães de garotas com o distúrbio, que foram atendidas pelo grupo de apoio psicológico do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP). Descobriu que a relação que essas mulheres tinham com a comida também não era saudável.

Todas tinham passado por períodos de restrição alimentar, principalmente na infância. Algumas eram muito seletivas com o que ingeriam, outras sofreram privações decorrentes de dificuldades financeiras.

"O alimento não é simplesmente a comida. Ele vem carregado de significados, de emoções. A gente queria entender a relação dessas mães com a própria alimentação, como elas lidavam com isso, quais foram suas experiências e de que maneira transmitiram isso para as filhas", diz Lauand.

Quando se tornaram mães, elas passaram a oferecer aos filhos comida em excesso ou alimentos muito calóricos. Procuravam dar aquilo que não tiveram. O efeito foi o inverso: as filhas começaram a reduzir, por conta própria, sua alimentação.

"São situações que as mães viveram na infância e que, de alguma maneira, não conseguiram elaborar. É um processo inconsciente", diz a psicóloga.

Esse panorama é conhecido entre profissionais que tratam pacientes com anorexia. "Se a mãe foi muito magra e esteve insatisfeita com o próprio corpo por isso, ela tem uma preocupação que os filhos comam mais e uma dificuldade de saber quando parar de oferecer", exemplifica a psiquiatra Liliane Kijner Kern, do Programa de Orientação e Assistência a Pacientes com Transtornos Alimentares da Universidade Federal de São Paulo.

Foi o que aconteceu na casa da pedagoga Rosângela Alves, 34. Aos 19 anos, ela media 1,65 metro e pesava 43 quilos. "Minha mãe quis compensar em mim as dificuldades pelas quais passou. Ela saiu muito cedo de casa e, quando tinha apenas 17 anos, eu nasci", conta.

Ela acredita que a insistência da mãe para que comesse teve um papel fundamental no desenvolvimento do transtorno. "Eu associo fortemente a anorexia ao fato de comer forçada. Minha mãe só me deixava sair da mesa depois que acabasse tudo. Era uma tentativa de cuidar, mas do jeito errado", diz Rosângela, que está curada.

Multifatorial
Os fatores que levam ao desenvolvimento da anorexia ainda não foram totalmente descortinados, mas há influência cultural (culto ao corpo, excesso de preocupação com a beleza), ambiental (como a educação), hereditária e genética.

Segundo Kern, da Unifesp, entre as pacientes com anorexia é comum encontrar famílias muito críticas em relação a seus membros e mães que apresentam uma preocupação extremada com o corpo ou com a alimentação.
"Meninas com anorexia têm mais esse perfil familiar e, quando ele está presente, a cura é mais demorada."

O transtorno costuma apresentar os primeiros sinais no início da adolescência e atinge mais as mulheres. Para preveni-lo, os pais devem cuidar da alimentação de maneira saudável, sem exageros, respeitar o biótipo de cada pessoa e ter um olhar crítico em relação ao ideal de beleza da sociedade.
Mudanças de comportamento, como isolamento social, recusa de fazer refeições com os familiares, dietas muito restritivas e aumento no nível de atividade física podem ser sinais do problema.

No auge da doença, estudante de medicina chegou a pesar 23 kg

Filha da boleira mais tradicional de Lorena (SP) e neta e bisneta de donos de padaria, a hoje estudante de medicina Marina da Silva Marcondes, 32, cresceu em meio a uma fartura de doces e outras delícias. Por 17 anos, sofreu os horrores da anorexia e da bulimia.

Marina conta que sempre foi gordinha e comilona. Costumava ouvir dos pais que, se exagerasse muito na comida, ia acabar engordando demais.
Por volta dos 13 anos, quando mal se ouvia falar de transtornos alimentares, a menina desenvolveu anorexia. Mesmo rodeada de comidas apetitosas aos olhos de qualquer um, Marina diz que se recusava a comer: "Eu não queria crescer, achava que, ficando sem me alimentar, eu não teria que enfrentar a idade adulta", afirma.

"Na minha casa sempre teve muita fartura, muito doce, era comida em excesso. Então, resolvi parar de comer. No café da manhã, comia três morangos e tomava um copo d'água. Eu não almoçava, e engolia duas ou três uvas no jantar. Às vezes, comia só uma maçã o dia inteiro. Nem eu nem minha mãe sabíamos o que era anorexia. Fui perdendo peso, até que cheguei aos 23 quilos", conta.

Foi nessa época, quando não ia mais à escola, não levantava da cama e não conseguia ingerir alimentos sólidos, que uma amiga da família indicou um médico de São Paulo para avaliar a menina. Marina foi internada às pressas e ficou no hospital por 20 dias, recebendo alimentação e soro na veia. Ganhou quatro quilos.

Fase bulímica
A partir daí, iniciou tratamento psiquiátrico, fez terapia familiar e passou a receber acompanhamento com nutricionistas. Depois de ganhar mais dez quilos, teve uma recaída. Passou a se enxergar "gorda" e então desenvolveu bulimia - comia exageradamente e depois vomitava tudo.

"Eu era capaz de engolir um bolo inteiro, dois pacotes de bolachas e duas latas de leite condensado em 20 minutos. Mesmo entupida de comida, não estava satisfeita", diz.

A mãe de Marina, Ivani, 55, diz que precisou reformar o banheiro para trocar a tubulação -que passou a apresentar problemas de entupimento, já que a menina comia demais e vomitava de cinco a seis vezes ao dia. "Minha casa cheirava vômito. Era muito deprimente."

Nessa época, Marina já estava bem consciente do problema que tinha. Continuou o tratamento com remédios. Diz que foi muito mais difícil tratar a bulimia do que a anorexia. Tentou controlar os distúrbios por 17 anos e, hoje, diz não se considerar curada, porque toma dois remédios por dia e vai ao médico a cada três meses.

"Faz dois anos que estou com a doença controlada. O problema é que é como uma droga: não posso ficar sem tomar remédio, senão tenho recaída. Tenho uma alimentação saudável, como frutas e verduras, mas não me privo mais de comida. Só não posso bobear."

Ivani, a mãe, afirma ter vivido "um suicídio diário dentro de casa". "No auge da anorexia, a Marina chegou ao peso de quando tinha cinco anos. Foi desesperador passar por isso. A dor e o transtorno são indescritíveis." 


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