Mirando facilitadores da guerra às drogas

Publicado em:  09/05/2010

TENDÊNCIAS/DEBATES

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Pôr fim à proibição às drogas é a maior e mais importante mudança em políticas públicas que as nações do mundo poderiam fazer

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NEM TODOS OS norte-americanos, como nem todos os povos do mundo, se regozijaram com a convocação da 27ª conferência internacional antidrogas, reunida no Rio de Janeiro no fim de abril, com o tema "Mirando os Facilitadores".

Seus participantes vieram dos EUA e de outras nações e territórios, a maioria, se não todos, pagos para tramar e planejar a ampliação da "guerra às drogas", voltada contra usuários de drogas, os vendedores e facilitadores.

Escrevo para instar os cidadãos do mundo a resistir a essa guerra e a conter a matança que se alastra pelo Brasil, pelos EUA e por todos os cantos.

O matador é a guerra às drogas -e não as drogas. Pôr fim à proibição é a maior e mais importante mudança em políticas públicas que as nações do mundo poderiam fazer para conter o banho de sangue, a corrupção e os danos infligidos pelas gangues, cartéis e facilitadores, ao mesmo tempo reconquistando o controle sobre as drogas.

Eu mo ro em Chicago, terra de Al Capone, um gângster que controlava as ruas e que teve grande influência na sociedade norte-americana de 80 anos atrás. Capone amealhou fortuna no negócio do álcool, com a ajuda de míope política governamental norte-americana que colocara fora da lei substâncias aditivas que as pessoas desejavam -cerveja, vinho e outras bebidas alcoólicas mais fortes.

A proibição do álcool, mais do que não funcionar, manchou as ruas de sangue -jovens, velhos, bêbados, abstêmios, culpados e inocentes eram alvejados por balas perdidas e bebidas desreguladas. Lamentavelmente, meu país esqueceu as lições de Capone e agora promove a proibição de diversas drogas por todo o mundo.

Os EUA insistem em proibir drogas, assim mantendo seus preços elevados, grandes lucros e gangues e terroristas equipados e bem financiados.

Insistem em transmitir propagandas "antidrogas" (todos os anúncios antidrogas são, antes de tudo, anúncios de drogas), que acabam por atrair os jovens para o uso e o negócio das drogas; colocar policiais em salas de aula para ensinarem todos os detalhes sobre as drogas.

Seguem a política de queimar drogas confiscadas, o que só serve para garantir o controle exclusivo e o monopólio econômico dos "bad guys" no negócio; de negar maconha medicinal para os doentes, maximizando seu sofrimento; de manter agulhas limpas fora do alcance de usuários de drogas injetáveis, agravando a epidemia mundial de Aids.

Meu país insiste em construir mais prisões, a ponto de a América, "A Terra da Liberdade", ter-se tornado "A Capital do Mundo das Prisões". Os gastos com prisões reduzem os orçamentos da educação.

Insiste em despejar produtos químicos sobre o território de nações estrangeiras para evitar o consumo doméstico de drogas, com o Plano Colômbia e a Iniciativa Meridiana, de devastadores efeitos familiares, econômicos e ecológicos sobre colombianos e mexicanos.

Em casa, coloca detectores de metal na entrada de escolas, cães farejadores nos corredores, kits de testes nas enfermarias e nas prateleiras de farmácias -exemplos da desconfiança gerada pela guerra às drogas entre pais e filhos, professores e alunos, policiais e cidadãos.

Mas o pior de tudo é que a política de drogas dos EUA coloca corpos ensanguentados nas ruas; incentiva apelos ao uso doméstico da Guarda Nacional; causa mortes, overdoses e doenças; nega aos usuários acesso legal às substâncias pelas quais seus corpos anseiam.

Isso assegura que só possam comprá-las em postos de venda ilegais, enriquecendo os facilitadores mirados pela conferência e causando ondas recorrentes de crime por todas as partes do mundo.

Os EUA e outros países que se fizeram representar na conferência do Rio sustentam políticas de drogas que desencadeiam guerras de cartéis, guerras de gangues e guerras de fronteira; políticas que ensinam intolerância, até mesmo tolerância zero.

Também sustentam políticas que encarceram massivamente, que fragmentam famílias, restringem direitos humanos, aumentam sofrimentos e permitem que técnicas de infiltração se espalhem desenfreada e indiscriminadamente, corrompendo policiais e jovens de forma desastrosa.

A pergunta não alardeada sobre o tema da conferência é: "Mais do que os facilitadores mirados por seus participantes, não seriam as políticas das nações representadas no Rio o cúmplice maior dos interesses globais relacionados a drogas?".

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Artigo escrito por JAMES GIERACH, ex-promotor da região de Chicago (EUA), nas áreas de drogas e homicídios, é diretor da Law Enforcement Against Prohibition (www.leap.cc), organização internacional formada por ex-líderes da guerra às drogas. E-mail: drugnews1@yahoo.com.


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