Vigília: em Toledo, alunos usam crachá para ir ao banheiro

Publicado em:  13/06/2010

Educação

Ditado da violência

Criminalidade do entorno invade os portões das escolas. Curitiba é a capital com mais estudantes envolvidos em briga e que mais experimentam drogas ilícitas

Rogério Zanetti, diretor do Colégio Estadual Santa Rosa, guarda na sua gaveta objetos que compõem o que ele considera um pequeno museu. No espaço não estão raridades como recados de alunos, nem boletins com melhores notas, nem livros especiais. Lá estão objetos que Rogério lamenta ter encontrado: faca, estilete, pulseira pontuda e até objetos cortantes que estavam escondidos nos muros, que seriam usados em caso de "necessidade" por alunos.  

A escola de Rogério está localizada numa área de vulnerabilidade social, no bairro Cajuru, em Curitiba. A violência entra nos muros da escola e se manifesta através de agressão verbal e física até nas brincadeiras. Uma delas é com bola e a pessoa que deixá-la cair da mão apanha dos colegas. "O meio em que algumas crianças vivem é de assassinatos e roubos. Muitas vezes nossos alunos presenciam estas cenas", diz o diretor, que está preparando uma caminhada pela paz.

A violência do entorno é uma preocupação da maioria das escolas localizadas em área de risco de Curitiba e região metropolitana. De 15 escolas consultadas pela reportagem, 10 afirmam ter problemas. A maioria dos diretores garante que a situação fica para fora dos muros. Só que ela influencia na vida escolar, com portões trancados, controle rígido na entrada, suspensão de aulas que seriam motivadas por toques de recolher, evasão escolar e até modificações na hora do recreio. 

No Colégio Estadual Raulino Costacurta, em Colombo, região metropolitana de Curitiba, os alunos da tarde não passam mais o recreio na quadra esportiva, que não tem cobertura. Professores observaram que muitos jovens de fora pulavam o muro e passavam "coisas" para os de dentro, que se suspeita serem drogas. "Ainda não tivemos problema, mas é uma medida de prevenção", diz a diretora Edilmara da Silva. 

Em Toledo, na região Oeste do Paraná, a situação no Colégio Estadual Jardim Europa extrapolou a fase de preocupação e se tornou um problema de segurança pública. Entre 2002 e 2007, pelo menos 58 alunos, ex-alunos e pessoas da comunidade escolar foram assassinadas – a maioria por acerto de contas do tráfico de drogas.  

Para superar o medo, uma das medidas adotadas foi o fim do intervalo. Alunos passaram a fazer o lanche dentro das salas de aula. Quando há necessidade de ir ao banheiro, eles são obrigados a carregar um crachá de autorização para circular nos corredores e ainda assim são monitorados por funcionários. Desde 2008, os casos de violência diminuíram 80%, de acordo com o diretor Eudes Luiz Dallanol. "Antes havia muita briga (no intervalo). Acho que está bem melhor assim", diz Eliton Barros Feitosa, 13 anos, estudante da 7.ª série.  

Agressão

Brigas estão entre os problemas mais comuns relatados pelos diretores e correspondem a 15% das infrações registradas na Delegacia do Adolescente. Dos 3.038 procedimentos instaurados do início de 2009 até agora, 452 referem-se a lesão corporal resultante de brigas. Segundo a delegada Luciana de Novaes, boa parte tem relação com o ambiente escolar.

Curitiba é a capital com mais estudantes envolvidos em briga com lesão física e a segunda em agressões com arma de fogo. Também é a que tem mais jovens que experimentaram o cigarro alguma vez na vida, algum tipo de bebida alcoólica e alguma droga ilícita. Os dados são da Pesquisa Nacional da Saúde do Escolar 2009, feita pelo Instituto Bra­sileiro de Geografia e Estatística.

Uma das vítimas de briga foi o filho de 13 anos de um vendedor que prefere não se identificar. O pai conta que um casal de irmãos agrediu o filho. O menino o segurou pelo pescoço e a menina deu um soco, que cortou a boca da vítima por dentro. "Meu filho continua com medo porque a mãe está com medo. Ela está querendo tirá-lo da escola", diz o vendedor.

Em Colombo, o medo é superado com reza. O estudante Alexandre de Oliveira, 16 anos, do Colégio Estadual João Ribeiro de Camargo, faz uma oração todo dia antes de ir para a aula à noite para chegar em casa em segurança. "Um dia estava indo embora e colocaram uma arma na minha cabeça pedindo meu celular. Dei e mandaram andar sem olhar para trás", conta.

Alexandre pensou em deixar a escola. Na turma dele, muitos tomaram essa decisão: a turma que começou com 50 alunos está com apenas 20. "Um dos problemas é a evasão. Os alunos não têm segurança para vir para a escola", confirma o diretor Rafael Assis. 

Solução

No Colégio Estadual Emiliano Perneta, em Curitiba, a vulnerabilidade do entorno foi diminuída com o projeto de não violência e a comunidade chegou a fazer uma passeata da paz. Professores promovem a reflexão em sala de aula sobre a violência. Uma maneira encontrada para os alunos se expressarem é através do desenho. A maioria dos traços traz caixões, sangue e cruz. Mas deixam bem claro que a pessoa pode escolher seu próprio caminho.  

Reflexo das ruas e da sociedade

Entre os cadernos temáticos editados pela Secretaria de Estado da Educação, um deles é sobre violência. A discussão entrou na sala de aula justamente pela exposição do tema, explica a superintendente da secretaria, Alayde Digiovanni. Ela reconhece que a violência chega, sim, às escolas, como reflexo do que acontece na sociedade. "O que está fora do muro está dentro", diz. A opinião é compartilhada por especialistas. 

De acordo com a superintendente, a escola, tanto pública quanto privada, é espaço vulnerável. "A instituição privada ainda mais porque tem mais dinheiro circulando." Para Janeslei Aparecida Albu­­quer­­que, secretária educacional da APP-Sindicato, a violência na sociedade respinga na escola.  

A criminalidade externa se reflete na forma de se comportar do aluno, da discriminação e do preconceito. "Também existe violência que se dá em menor intensidade dentro da escola, como brigas, agressões no pátio na hora do recreio, cascudos. Começa como uma situação de indisciplina da qual, muitas vezes, a escola não consegue dar conta", diz a professora Araci Asinelli Luz, doutora em educação.  

O professor Pedro Bodê, do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos da UFPR, participou em 1998 de uma pesquisa que tratava sobre juventude e cidadania. Segundo ele, o que mais aparece nas estatísticas são casos de brigas e de consumo de álcool que envolvem uma minora de estudantes. "O que acontece na escola, se formos comparar, é infinitamente menor do que acontece na sociedade e seus arredores." Bodê afirma que os casos de indisciplina não são problema de polícia, mas dos próprios educadores.  

Segundo o tenente coronel Douglas Sabatini Dabul, 97% das ocorrências atendidas pela Patrulha Escolar são de orientação e prevenção. A Patrulha não divulga os números de suas operações nem de viaturas e nega a existência de toques de recolher nas escolas. Mas na noite do dia 26 de março, em Curitiba, as aulas foram interrompidas em pelo menos quatro escolas dos bairros Sítio Cercado e Osternack, em função de um toque de recolher que teria sido determinado por traficantes

Diretores adotam ações extremas

O problema da violência nas escolas é recorrente em várias partes do país e leva diretores de outros estados a adotar medidas polêmicas. Em Vila Velha, no Espírito Santo, foi instalado em 50 escolas municipais um botão do pânico para as situações de perigo. O sistema é interligado a uma central de vigilância e através dele a direção pode solicitar apoio da Polícia Militar. O mecanismo colaborou na queda do número de agressões.

Em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, foram adotadas em maio de 2009 ações educativas aos alunos, que incluem limpeza do pátio, lavagem dos banheiros, organização da bi­­blioteca e distribuição de merenda. A medida foi proposta pelo Ministério Público, que impõe a penalidade com aval dos pais. Segundo o órgão, a ação tem tido bons resultados nas 52 escolas onde acontece, locais que ti­­nham problemas com brigas.

Em Brasília, o Ministério Pú­­blico do Distrito Federal implantou em 2008 o projeto dos conselhos de segurança escolar, formados por professores, funcionários, pais e alunos. A medida foi posta em prática depois de uma pesquisa junto às escolas públicas do Distrito Federal. No levantamento, 40% delas admitiam que havia alunos usando drogas.


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