Publicado em: 09/08/2010
TIJUANA, México - Um lugar que nunca foi especialmente bonito, a fronteira entre EUA e México hoje está em seu momento mais feio, com o aumento da violência, das tensões e da temperatura.
Antes considerado pelos americanos apenas um lugar "liberado" para prazeres escusos, a divisão entre os EUA e o México hoje é principalmente associada aos bandos de traficantes de drogas que atacam uns aos outros, turistas apanhados no fogo cruzado e trabalhadores mexicanos que enfrentam o calor e os tiros para cruzar o deserto rumo ao norte.
Enquanto isso, tropas da Guarda Nacional se preparam para ocupar postos de sentinelas na fronteira.
Todos esses desenvolvimentos se desenrolam no que costumava ser um local de encontro entre dois países, uma zona de escape onde as culturas se fundiam, muitas vezes em meio a vastas quantidades de tequila. As potenciais baixas na fronteira hoje incluem um modo de vida de várias gerações, bem documentado mas que se deteriora dia a dia.
O trecho de 3.000 km há muito tempo é uma terra de ninguém cruzada por americanos em busca de prazeres proibidos e também por mexicanos desesperados por trabalho. É uma área que nem é totalmente México nem totalmente El Norte. E uma dose de perigo, a atração do pecado, sempre fez parte de seu encanto.
A história moderna começa com a Lei Seca, quando o México tornou-se um lugar onde americanos sedentos procuravam bebida barata e legal. Ao longo dos anos, a atração da bebida deu lugar a divórcios rápidos, corridas de cães, shows de strip-tease, caça-níqueis e bordéis aonde pais às vezes levavam seus filhos.
Em meio a isso tudo sempre houve muitas drogas -medicinais ou ilegais.
A Segunda Guerra intensificou esse mercado para uma geração de soldados em licença e para aventureiros do pós-Guerra em busca de música, emoções e sexo.
Na década de 1960, o México solidificou seu luga r como fornecedor de maconha e heroína para os EUA. Conforme o comércio -lícito e ilícito- crescia, políticos e policiais o protegiam. Mas as regras do envolvimento que antes poupavam os inocentes começaram a se romper. Hoje vale tudo.
Em 1958, Orson Welles usou a divisa como pano de fundo para seu clássico noir "A Marca da Maldade". E, nos anos 90, Cormac McCarthy também ambientou ali sua trilogia de romances "Border", narrando histórias aventurescas e casos de amor trágicos.
Mas pouco do que os escritores ou cineastas inventaram rivaliza com a vida real de hoje, com os assassinatos em série cometidos por homens que não hesitam em puxar o gatilho de seus fuzis, enquanto as gangues de traficantes desafiam as autoridades e lutam pelo controle do terreno.
A malícia que dava certo charme à fronteira hoje parece inocente. As prostitutas, os contrabandistas e malandros que antes tinham rédeas soltas hoje estão, como todo o mundo, terrivelmente assus tados. Os sorrisos fáceis dos guardas de fronteira mexicanos dando boas-vindas aos turistas gastadores estão dando lugar a cercas e soldados americanos armados.
E, enquanto isso acontece, os antigos amantes da fronteira temem principalmente pelas trocas em si -pelo intercâmbio, embora assimétrico e explorador, de mexicanos pobres e americanos ricos que durante gerações, até certo ponto, promoveu o entendimento entre os dois países.
"O relacionamento que existia entre os dois lados terminou", lamentou Luis Ituarte, que divide seu tempo entre Los Angeles, onde promove as artes, e Tijuana, onde dirige um centro cultural.
"Antes havia tanto convívio! Os jovens de San Diego iam passar a noite no México. Quando era menino, em Tijuana, uma noitada em San Diego era algo que eu sempre fazia. Você precisa conhecer pessoas dos dois lados."
Com o aumento da violência, o turismo diminuiu ao longo de toda a fronteira. A última advertência de viagem do Dep artamento de Estado dos EUA fala em "grandes tiroteios" em plena luz do dia. Juárez e Tijuana têm sido lugares especialmente mortíferos para os americanos, salienta o órgão.
O Parque da Amizade antes ligava San Diego e Tijuana e permitia que moradores dos dois lados fizessem piqueniques juntos. Hoje ele é dividido por barreiras que mantêm os mexicanos e os americanos distantes de qualquer contato.
Mas nem tudo é tristeza. As grandes marcas internacionais que operam fábricas "maquiladoras" continuam funcionando. E ainda há alguns museus, bairros comerciais elegantes e condomínios de luxo ao longo da fronteira.
Mas, como eu atravesso para lá e para cá em alguns dos pontos mais problemáticos da fronteira, vejo que até um jornalista enfrenta o escrutínio. "O senhor tem certeza de que quer passar para lá?", questionou recentemente um inspetor americano.