Publicado em: 17/08/2010
Rapaz a caminho da Casa do Servo Sofredor: para entidade, proposta ainda não é a ideal
Mais vagas para tratar o vício
Curitiba planeja abrir mais 138 vagas para usuários de drogas em comunidades terapêuticas e vincular o atendimento aos Centros de Atenção Psicossocial
No mês que vem, a prefeitura de Curitiba pretende lançar um edital que aumentará de 305 para 443 o número de vagas mensais para dependentes de drogas em comunidades terapêuticas conveniadas à Fundação de Ação Social (FAS). A proposta prevê ainda a vinculação dessas vagas ao atendimento nos seis Centros de Atenção Psicossocial para Dependentes Químicos (Capsad) de Curitiba e a criação de um Sistema Integrado de Atenção aos Usuários de Substâncias Psicoativas.
"Muitas vezes o que encontramos é uma situação de vulnerabilidade em que a pessoa precisa de amparo social para o período de desintoxicação, mas não necessariamente de um internamento em hospital psiquiátrico. A ideia é, basicamente, juntar o trabalho de assistência social à atenção ao usuário", afirma o secretário Antidrogas da cidade, Nazir Abdalla Chain. As secretarias Antidrogas (SAM) e de Saúde (SMS), e a FAS trabalham na elaboração do edital. Além do aumento do número de vagas, o repasse mensal às entidades conveniadas seria 5% maior do que é hoje, chegando a R$ 525 por vaga.
Segundo a coordenadora de Saúde Mental da SMS, Cristiane Venetikides, a expectativa é que esse serviço integrado aumente a adesão ao tratamento ambulatorial proposto nos Capsad.
A base para o edital é a Resolução 101, de 30 de maio de 2001, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas algumas regras devem ser flexibilizadas. Uma das diferenças é que as comunidades terapêuticas conveniadas não seriam responsáveis pela medicação. "O tratamento clínico seria de responsabilidade exclusiva dos Capsad", frisa Cristiane.
Uma consulta na Vigilância Sanitária do município mostra, porém, que são poucas as entidades habilitadas a absorver as novas vagas. Das 22 cadastradas, apenas cinco estão com a licença em dia. Cristiane acredita, no entanto, que com o prazo do edital outras terão tempo de se regularizar e que as vagas serão facilmente absorvidas.
O frei Francisco Manoel de Oliveira, conhecido como Frei Chico, que comanda a Casa do Servo Sofredor, uma das cinco entidades em dia, diz que a proposta da prefeitura ainda não é a ideal para o aprimoramento das comunidades. "O recurso é para o custeio da vaga, não para a ampliação da estrutura das comunidades. O que vai acontecer, provavelmente, é que as que atenderem às exigências irão transferir parte de suas vagas particulares para o sistema público. O ideal seria uma ajuda para ampliarmos, de fato, o número de vagas." A Casa do Servo Sofredor tem 75 vagas, 50 por convênio com a FAS e 25 particulares. "Mas a procura é enorme. Todos os dias tem gente ligando, assim como gente esperando uma chance lá na FAS."
Retrato da dificuldade de tratamento
Em maio deste ano, a Gazeta do Povo mostrou o caso de um jovem com problemas mentais agravados pelo uso de drogas (solvente) que era mantido amarrado em casa pela irmã por falta de vaga para internamento. O rapaz, Marcos Alves dos Santos, 18 anos, era muito agitado, por vezes agressivo e tentava fugir a todo momento, segundo a irmã Raquel Alves Prado, de 19 anos. No dia seguinte à publicação da história, ele foi encaminhado para internação e, ainda naquela tarde, a irmã deu à luz o primeiro filho.
Na semana passada, a reportagem voltou à residência dos dois, em uma parte humilde da Cidade Industrial de Curitiba.
Marcos está em casa. Após um mês de internação no Hospital Bom Retiro, ele voltou a morar com a irmã. Ao todo são seis pessoas em duas casas pequenas, vivendo com uma renda de R$ 550, que vem do salário do marido de Raquel. O problema é que Marcos não quer ir nas oficinas do Centro de Atenção Psicossocial para Dependentes Químicos do Portão (Capsad). "Ele tem medo de ser internado de novo", diz Raquel. Foge das sessões e, por causa desse comportamento, a irmã tem dificuldade em levá-lo para o tratamento. "Conseguimos a carteirinha de isento, mas não tenho como levá-lo todo dia, com o meu bebê de 3 meses. Sozinho ele não vai, foge."
Mais preocupante que a recusa ao tratamento, porém, é a falta de medicação. Desde julho, quando saiu do internamento, Marcos não toma o antipsicótico e o tranquilizante. Para a família, o custo de R$ 35,15 dos dois remédios é alto. "O mais preocupante é a interrupção do tranquilizante, que pode trazer um quadro de abstinência em 72 horas, com agitação e até comportamento agressivo", alerta o psiquiatra Dagoberto Requião. No caso de Marcos seria como voltar à estaca zero. Na semana passada, Raquel tentou suprir o medicamento indo até o Capsad do Portão, onde Marcos é tratado, mas uma funcionária informou que o local estava sem atendimento ao público por causa de uma reunião interna. Raquel ainda iria tentar a unidade básica de saúde.
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Instituições
A Resolução 101/01* da Anvisa é a base para as exigências de funcionamento de uma comunidade terapêutica.
Conheça algumas das principais regras e a situação dessas instituições em Curitiba
Encaminhamento
- Ingresso só mediante avaliação médica. No caso da proposta de Curitiba isso deverá ser feito pelos Capsad.
Coordenação
- Para o atendimento de um mínimo de 30 pacientes são necessários um assistente social ou profissional de saúde de ensino superior, um coordenador administrativo e agentes comunitários capacitados em Dependência Química, com cursos reconhecidos pelos conselhos estadual e municipal Antidrogas.
Estrutura
- Alojamentos coletivos devem ter, no máximo, seis pessoas, com ventilação e circulação adequadas, sem trancas ou chaves nas portas e janelas.
Rotina
- Informações sobre o dia a dia da instituição devem ser passadas também por escrito aos familiares da pessoa atendida.
Os cuidados prestados devem ser registrados por escrito, ao menos, três vezes por semana.
Medicamentos
- Pela Anvisa, a administração dos remédios é de responsabilidade das comunidades. Pelo edital que está sendo elaborado, essa regra não valeria em Curitiba. Medicação e atendimento clínico só nos Capsad.
Licença sanitária
- Para verificar se uma comunidade ou clínica de Curitiba está licenciada pela Vigilância Sanitária, condição básica para o atendimento, mesmo o particular, o cidadão deve ter acesso a um documento que ateste a licença em um lugar visível da instituição, como a recepção, ou ainda ligar para o telefone (41) 3350-9393 e checar. Das 22 instituições cadastradas na capital, apenas cinco estão com licença em dia:
- Comunidade Terapêutica Dia – CTDia.
- Casa do Servo Sofredor.
- Associação Comunidade Vida Nova.
- Associação de Prevenção e Recuperação O caminho, a verdade e a Vida – Precavida.
- Casa de Recuperação Nova Vida – Crenvi.
* A RDC 101/01 estabeleceu um prazo de dois anos para que as comunidades se adequassem. Mais tarde, em 2003, esse prazo foi prorrogado por mais 90 dias por outra resolução (143). A inobservância desses requisitos constitui em infração de natureza sanitária, sujeitando o infrator ao processo de penalidades previstas na Lei 6.437 de 20 de agosto de 1977, como a interdição da instituição.
Fontes: Anvisa e Vigilância Sanitária de Curitiba.
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Psiquiatras criticam política
Os psiquiatras Dagoberto Requião, ex-diretor do Hospital Nossa Senhora da Luz , e Marco Antônio Bessa, presidente da Sociedade Paranaense de Psiquiatria, criticaram a vinculação do atendimento em comunidades terapêuticas ao trabalho nos Centros de Atenção Psicossocial para Dependentes Químicos (Capsad).
O receio é que a ação seja apenas uma solução paliativa para um "erro que começa na política nacional do Ministério da Saúde" de, segundo eles, "acabar com os leitos em hospitais psiquiátricos". Atualmente, são 3.266 leitos em todo o Paraná e 445 em Curitiba – 145 específicos para a dependência química. Quanto a eles não há qualquer previsão de ampliação, segundo as secretarias Estadual (Sesa) e Municipal de Saúde (SMS). As diárias, defasadas, também não terão reajustes. Estão, em média, em R$ 45, com base em dados da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), quando deveriam estar em R$ 97,58, no mínimo. "Eles querem acabar com os hospitais psiquiátricos e agora vemos o desastre que está aí", diz Bessa. "Uma comunidade só é terapêutica se houver um corpo médico que trate as pessoas. A maioria das comunidades não têm essa estrutura. Se a responsabilidade delas será apenas de proteção social então não podem ser chamadas de terapêuticas", frisa.
Requião também se preocupa com a qualidade dos serviços prestados, já que nos próprios Caps, que seriam responsáveis pelo tratamento médico dos dependentes, há falta de profissionais experientes e qualificados para um diagnóstico preciso, que considere também a associação de outras patologias psiquiátricas, como a depressão e a esquizofrenia. "O maior perigo é considerar somente a droga. Se a patologia que está junto não for tratada, dificilmente o paciente se manterá em abstinência. O grande desafio é a capacitação das equipes. O que farão com um paciente em crise convulsiva, que traz um alto risco de morte, ou com um quadro de psicose por abstinência? Quem, nessas instituições, é preparado para tratar um paciente nessas condições?"
Outro lado
A coordenadora de Saúde Mental da Secretaria de Saúde, Cristiane Venetikides, diz que a reunião mensal do Conselho Municipal Antidrogas hoje será a primeira oportunidade para que a sociedade médica e terapêutica discuta a nova proposta. "A medida de vincular vagas em comunidades ao atendimento nos Caps era uma necessidade de política governamental. A discussão sobre essa proposta será aberta nos fóruns apropriados, como o Conselho."
O secretário Antidrogas, Nazir Chain, diz que há intenção de capacitar todas as comunidades terapêuticas de forma uniforme, para que o atendimento dado seja padronizado, mas como isso será feito ainda está sendo discutido.