Publicado em: 28/08/2010
Atentados seriam resposta de traficantes ao governo, quatro dias após o massacre de 72 imigrantes ilegais
Agente público que investigava as mortes dos 72 imigrantes está desaparecido, informou o presidente Calderón
Em atos mais afeitos a grupos terroristas, o narcotráfico mexicano respondeu com carros-bomba, novas chacinas e o desaparecimento de um promotor à pressão do governo pelo massacre de 72 imigrantes ilegais, na última segunda-feira.
Dois carros-bomba explodiram ontem em Ciudad Victoria -capital do Estado de Tamaulipas, o mesmo de San Fernando, onde foram encontrados os corpos. Um deles provocou danos materiais na sede local da emissora Televisa, a maior do país.
O episódio foi interpretado como uma tentativa de intimidar a mídia local.
Segundo o presidente mexicano, Felipe Calderón, o promotor Roberto Jaime Suárez, que investigava o massacre de San Fernando, está desaparecido há dois dias.
Ele chegou a ser declarado morto, após dois corpos terem sido encontrados em uma estrada, mas depois a notícia foi desmentida por Calderón.
Também ontem, foram encontrados mais oito corpos em Ciudad Juárez e 14 em diferentes lugares de Acapulco -alguns, segundo a polícia, vendados e cobertos por um papelão com mensagens intimidatórias (não divulgadas) a cartéis de drogas rivais.
Calderón admitiu que a narcoviolência tende a aumentar: "A única maneira de detê-los [traficantes] é com a força pública, o que vai trazer, ao menos no curto prazo, também violência".
VÍTIMAS
Até ontem, as autoridades informaram ter identificado 31 dos 72 imigrantes -um brasileiro (de identidade não divulgada), 14 hondurenhos, 12 salvadorenhos e quatro guatemaltecos.
Investigadores sob forte proteção policial estão comandando a apuração.
A chacina, uma das maiores já registradas na guerra do tráfico do país, é atribuída ao cartel Zetas, segundo relatos do único sobrevivente da tragédia, o equatoriano Freddy Lala Pomavilla.
A suspeita é que os imigrantes, que tentavam cruzar a fronteira para os EUA, morreram por terem se recusado a trabalhar para o cartel.
Mas um parente de um dos guatemaltecos mortos disse ter recebido, no fim de semana, telefonema com pedidos de resgate.
Pomavilla permanecia internado ontem, com ferimentos à bala na garganta. O presidente do Equador, Rafael Correa, disse que quer "trazê-lo de volta ao país o mais rápido possível".
A chacina de imigrantes recebeu condenações da ONU e da OEA (Organização dos Estados Americanos).
Desde 2006, quando Calderón intensificou o combate ao tráfico, 28 mil pessoas morreram no país em episódios de narcoviolência.
"Traficantes matam milhares aqui", diz hondurenho
DA ENVIADA A MATAMOROS
Bastava olhar nos olhos do padre Francisco Gallardo López e de seus fiéis para perceber a gravidade sob a qual ocorria a missa das 8h de ontem na Igreja Nossa Senhora de Lourdes, em Matamoros.
Era uma homenagem aos 72 imigrantes sequestrados e fuzilados na vizinha San Fernando. "Somos todos migrantes neste mundo", disse López, ao pedir oração por "aqueles que estão sequestrados" e "perdão aos que cometeram essas atrocidades".
"Nós não podemos nos conformar e nos acomodar a viver com essas coisas", completou o padre, que há 22 anos trabalha na acolhida de imigrantes em Matamoros.
Casos de sequestro e massacre de imigrantes são comuns na região há alguns anos. Profissionais de abrigos do Estado de Tamaulipas relataram à Folha que, atualmente, até mexicanos são alvo dos narcocartéis, que os forçam a cruzar a fronteira com os EUA levando drogas.
Entre os castigos a que são submetidos para entregarem dinheiro ou se unirem às quadrilhas estão ter as nádegas espancadas até que estejam em carne viva, as unhas descoladas e pedaços das orelhas arrancados.
"Esses que acharam não são nada. Eles [os traficantes] matam milhares e jogam os corpos no rio [Bravo, fronteira com os EUA]", denuncia o hondurenho Oca Andino, 57.
Segundo ele, os traficantes focam os imigrantes estrangeiros porque pensam que eles têm dinheiro para fazer a travessia para os EUA.
"Ninguém aqui pode dizer nada, mas você precisa dizer, escreva aí. Peça que o governo brasileiro ajude", pede.
Ele e os colegas reivindicam do governo mexicano a concessão de vistos temporários, de modo que, ao invés de fugir de todo policial, eles possam recorrer a eles. "Se tivéssemos autorização, poderíamos vir de ônibus, e não escondidos", concorda o também hondurenho Carlos Hernández, 31.