Publicado em: 03/09/2010
Famílias com pessoas que sofrem de doenças mentais enfrentam uma série de outros problemas além daqueles inerentes ao tipo de doença. O tratamento é prejudicado pela falta de hospitais, médicos e remédios. Um exemplo pode ser observado no Hospital Regional do Vale do Ivaí, em Jandaia do Sul (Norte). A instituição recebe dezenas de ligações por dia de todas as regiões do Paraná, a maioria em busca de internação. E a resposta quase sempre é a mesma: ''não há vagas''.
O hospital mantém a maioria de seus 280 leitos permanentemente ocupados e, quando surge uma vaga, tem que priorizar os pacientes das regionais de Saúde de Apucarana, Ivaiporã e Telêmaco Borba, por determinação da Secretaria de Saúde do Estado. O diretor-executivo do hospital, José Roberto Campaner, cita que entre as cidades que procuram o hospital com maior frequência estão Cascavel (Oeste), Guarapuava (Centro) e Maringá (Noroeste).
De acordo com Campaner, a situação vem se agravando desde o início da década passada, quando o Ministério da Saúde criou o Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Também houve redução do número de leitos destinados a tratamento mental em todo o País. No Paraná, o número de leitos caiu de 4 mil para menos de 1,5 mil neste período. As medidas fazem parte da reforma psiquiátrica iniciada pelo MS.
''O governo federal investiu muito dinheiro no Caps e eles não funcionam como deveriam por falta de mão de obra especializada'', critica. E segundo ele, por falta de perspectivas na carreira, é pequeno o número de médicos que se especializam em psiquiatria.
Para Campaner, é difícil falar sobre os índices de recuperação de pacientes com transtornos mentais porque a doença não pode ser comparada com outros tipos de enfermidades e exige um acompanhamento permanente da família.
''A primeira coisa que a gente pergunta (quando é solicitada uma internação) é quem vai acompanhar, visitar, receber as orientações. O paciente de primeiro surto se recupera bem se orientado, se a família estiver ciente da doença e se tomar a medicação da forma correta. Se for feito tudo direitinho, o paciente não se reinterna mais.''
O hospital atende também pacientes alcoóltras, mas não o viciado em drogas. Segundo Campaner, o dependente químico deve ser tratado em separado, sem se misturar com o doente mental e ou o alcoólatra, porque a recuperação do drogado demora pelo menos seis meses. ''É um tratamento longo e custa muito caro; por isso, o Ministério da Saúde não credencia hospitais para atendimento pelo SUS'', afirma o diretor.
Equívoco
A psiquiatra Marilu da Silva Stock, que trabalha no hospital, acompanha o tratamento de pessoas com doenças mentais há 31 anos. Ela afirma que não houve um aumento exagerado do número de pacientes com doença mental, mas com a redução do número de vagas nos hospitais, as famílias não têm mais para onde encaminhar seus doentes, o que causou o aumento da procura nos poucos hospitais psiquiátricos que ainda restam.
Ela critica o conceito adotado pelo Caps, criados para reduzir o número de internação. Segundo ela os centros foram criados sem a estrutura necessária para atender a demanda.
Reforma psiquiátrica é prioridade, diz MS
O Ministério da Saúde admite a existência de problemas na condução do programa de saúde mental, o que é atribuido ''à demanda crescente no setor''. Segundo o coordenador do programa, Pedro Gabriel Delgado, o governo tem priorizado a criação dos Centros de Atenção Psicossocial no País, com um aumento de 424 unidades em 2002 para 1.541 unidades neste ano. No período, a cobertura dessas instituições à população brasileira passou de 21% para 63%.
A proposta do Caps é oferecer atendimento à população, realizar o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários. Os Caps são serviços de saúde municipais, abertos, comunitários que oferecem atendimento diário.
Segundo o coordenador, o investimento em saúde mental no Brasil passou de R$ 619 milhões em 2002 para R$ 1,5 bilhão no ano passado, um aumento de 142%. Delgado lembrou a realização da 4 Conferência Nacional de Saúde Mental, que contou a participação de 1,5 mil pessoas, desde familiares a especialistas no assunto. Houve críticas ao modelo adotado até o século passado, que isolava o paciente para tratamento.
''A reforma psiquiátrica é um processo em curso e estamos avançando na oferta desse atendimento humanizado que, sem dúvida, gera muito mais benefícios ao paciente e à comunidade do que a internação longa em instituições psquiátricas'', afirma o coordenador do programa.
Quilômetros percorridos em busca de ajuda
Em uma sala perto da recepção do hospital, uma mulher chora, enquanto uma atendente procura acalmá-la. A cena revela o drama de uma mãe que precisa internar o filho com transtorno mental. No caso desta mulher, simples e idosa, que mora na Zona Rural em Apucarana, ir ao hospital de Jandaia do Sul já se tornou rotina: ela tem três filhos com doença mental. Por retornar sempre, já se tornou figura conhecida dos funcionários.
Mas não é a única. Diariamente, dezenas de pessoas procuram o hospital em busca de internamento. Gente que chega de quase todas as regiões do Paraná. São quatro funcionárias para atender às ligações ou às pessoas que procuram o hospital.
Um pedreiro de Pitanga (Centro) levou o filho de 47 anos ao hospital pela primeira vez. Segundo ele, o filho entrou em depressão profunda e, para agravar ainda mais a situação, tornou-se alcoólatra. Diz o pai que ele é rebelde e não toma os medicamentos. ''Ele já havia sido internado em outro hospital, mas não resolveu, e agora está cada vez mais difícil encontrar vaga'', admite.
O terapeuta ocupacional Francisco de Assis Schuindt desenvolve atividades não apenas para ocupar o tempo de alguns internos, mas também para que eles assimilem atividades básicas, como tomar banho, se vestir e se alimentar. Quando os internos adquirem uma certa ''habilidade'', passam a desenvolver outras tarefas artesanais. Há no hospital uma sala com trabalhos manuais feitos pelos internos, o que é considerado um sinal de progresso.
Toda manhã, há 17 anos, a dentista Célia Barbieri Aichie vai ao hospital para tratar os pacientes e se orgulha muito do que faz. ''O tratamento aqui é o mesmo de pediatria. Os nossos pacientes são crianças com força, crianças crescidas'', afirma. Segundo ela, este é o único hospital do Brasil que tem um consultório odontológico para tratamento de pacientes com transtornos mentais.
Situação tende a se agravar, diz secretário
O presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde, Antonio Carlos Nardi, faz uma análise não muito otimista sobre a atenção que se dá à saúde mental no Brasil. Ele considera que ''a situação é extremamente grave'' e está chegando a um ponto ''insustentável'', porque os hospitais psiquiátricos ''estão sobrecarregados''.
Nardi, que é secretário de Saúde de Maringá, diz que o problema tende a se agravar ainda mais porque está aumentando a procura para tratamento de alcoólatras e drogados nos respectivos hospitais. Segundo ele, a dependência química atinge pessoas de quase todas as idades, raças e classes sociais, sem distinção, e afeta de modo especial os pequenos municípios que não dispõem de nenhuma estrutura para atender a esta demanda específica.
''Temos que solicitar que os municípios com arrecadação maior façam um aporte para absorver em seus municípios alguns serviços de média complexidade para que todo paciente que surja nessas cidades não precisem ser internados e não sobrecarreguem ainda mais os serviços hospitalares''.
O presidente do conselho reclama também da diária paga aos hospitais psiquiátricos: R$ 42. Este montante é destinado a suprir cinco refeições por dia, além de roupas, atendimento médico, psiquiátrico, psicológico, terapia ocupacional e remédios. Pelos cálculos da Fundação Getúlio Vargas, a diária deveria ser de R$ 98.
Nardi avalia que a questão da saúde mental não deve ser tratada apenas como um problema da área de saúde e sim como um problema social, e que deve merecer atenção não apenas do poder público como também da classe empresarial. ''Se não houver uma somatória de esforços para resolver o problema, daqui a pouco, não vamos ter nem o hospital para absorver o doente mental, o drogado e o alcoóltra em estado grave'', sentencia.
Fehospar vem denunciando descaso há vários anos
Diretora do Hospital Psiquiátrico de Maringá e integrante da Diuretoria de Psiquiatria da Fehospar, Maria Emília Parisoto de Mendonça, exaltou a importância de o veículo de comunicação Folha de Londrina ter abordado a questão, destacando que a entidade vem desde 2006 denunciando o problema do subfinanciamento, tendo levado inclusive a questão à esfera da Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa do Paraná e nas sete cidades do interior que ainda têm hospitais especializados para a macrorregião. A dirigente diz ainda que "o comentário do presidente do Conasems, Dr. Nardi, é importante porque pela primeira vez uma autoridade fala com consistência sobre o subfinanciamento".
Maria Emília assinala ainda que o estudo da FGV sobre os valores das diárias, indicando o patamar de R$ 78,29, remonta ao ano de 2001. Hoje, corrigido pelo IGPM, daria o valor de R$ 154,04. "Se as prefeituras não suplementarem o valor das diárias, a exemplo do que ocorre no Estado de São Paulo e em cidades como Curitiba e Umuarama, ficaremos sem hospitais mesmo e a população sem nenhuma assistência a nível terciário. O que vemos é que poderes executivos, com exceção de Curitiba e Umuarama ‑ que suplementam o mínimo emergencialmente necessário para manter a assistência desde 2006 e 2007 nos serviços hospitalares conveniados da especialidade ‑, não se importam com os já excluídos doentes mentais ou com os dependentes químicos, nem com a necessidade social da assistência médica da população".