Publicado em: 12/09/2010
Pesquisadores traçaram perfil da doença entre 2.072 acima de 65 anos na zona oeste de SP.
Os resultados mostram que a baixa escolaridade e a renda estão entre os principais fatores de risco que podem levar à doença. Ao mesmo tempo, verificou-se que a realização de atividades cognitivas simples, como trabalhos manuais, pode diminuir a incidência nessa faixa etária.
Os estudos fazem parte de um programa de investigação sobre saúde do idoso, com ênfase na saúde mental, chamado de São Paulo Ageing & Health Study (SPAH) e coordenado pelos professores Marcia Scazufca e Paulo Rossi Menezes, da FMUSP.
O trabalho envolveu 2.072 idosos com 65 anos ou mais, que foram analisados por meio de questionários padronizados. Eles passaram por uma avaliação cognitiva, de estado mental e de diversos fatores de risco para demência, como características sócio-demográficas e saúde.
Na primeira fase do estudo, foram identificados 105 casos de demência, o que equivale a uma prevalência de 5,1%. "É uma incidência alta, semelhante à registrada na Europa", destaca a pesquisadora Marcia Scazufca.
"A maior parte dos idosos entrevistados tinha menos de 75 anos, enquanto nos países europeus eles se situam em faixas etárias mais elevadas, sendo que a idade é o principal fator de risco conhecido para a demência", explica. A partir das informações levantadas, foi investigada a associação entre indicadores de desvantagem socioeconômica ao longo da vida e a prevalência de demência.
"Na literatura científica, várias pesquisas apontam uma relação entre uma menor escolaridade e um maior risco de demência", diz Marcia. Entre os idosos pesquisados, 38% são analfabetos, 52% têm de 1 a 3 anos de estudo e 9% completaram 4 anos ou mais. Dois terços nasceram em zonas rurais, o que dificultou o acesso à escola, e metade teve ocupações braçais ao longo da vida.
Esses fatores levaram cerca de um terço da população estudada a ter uma renda mensal de menos de um salário mínimo. "Entre os idosos que tiveram mais desvantagens sócio-econômicas ao longo da vida, o riso de demência foi cerca de sete vezes maior que o de idosos não expostos a esses fatores de risco", afirma a pesquisadora.
Prevenção
Na terceira etapa da investigação, avaliou-se o possível papel da alfabetização, ocupação e renda na prevenção da demência. "A partir da fração atribuída na população, estimou-se que 22% dos casos seriam evitados caso todos os idosos pesquisados fossem alfabetizados, número que subiria para 29% se tivessem renda mensal maior que um salário mínimo na época do estudo, e para 38% se tivessem realizado ocupações com algum grau de especialização", revela Marcia.
"Se nenhum idoso fosse exposto a esses três fatores de risco, cerca de 50% dos casos de demência teriam sido evitados", acrescenta a professora da USP.
Dois anos após a primeira avaliação, 1.243 idosos foram entrevistados novamente. Os pesquisadores verificaram se a participação em 42 atividades (divididas entre sociais, cotidianas, cognitivas e físicas) estava associada ao desempenho cognitivo e ao surgimento de novos casos de demência.
"Entre os idosos reavaliados, 99% praticavam algum tipo de atividade social, 95% faziam atividades cotidianas, 63% desempenhavam atividades cognitivas e 49% mantinham atividades físicas", aponta a pesquisadora.
"Verificou-se que os idosos que realizavam mais atividades tiveram um menor declínio no funcionamento cognitivo. A maior participação em atividades também esteve associada a um menor risco de desenvolver demência nesse período", acrescenta Marcia.
Quanto ao tipo específico de atividade desempenhada, a pesquisa também mostrou que idosos que faziam mais atividades cognitivas na inclusão do estudo tiveram um menor declínio cognitivo. As atividades incluíam trabalhos manuais, em madeira e metal, costura (tricô, crochê), aulas variadas, uso do computador, canto, música, jogos, leitura e escrita.
A pesquisadora recomenda que políticas públicas estimulem a participação de idosos em todas as atividades, particularmente nas cognitivas. "Embora parte da população idosa brasileira não seja alfabetizada e não saiba ler nem escrever, há outras atividades simples que podem estimular e preservar as funções cognitivas - como os trabalhos manuais - e, com isso, possivelmente prevenir ou retardar o aparecimento da demência", ressalta Marcia.
"Os resultados da pesquisa complementam as conclusões de outros estudos com idosos que têm acesso a atividades sofisticadas e requerem alto poder aquisitivo, pois mostram que não apenas as atividades cognitivas sofisticadas, como ir ao teatro ou ler um romance, podem evitar ou postergar a doença", completa a professora da USP.