Publicado em: 12/09/2010
Uma pesquisa realizada por médicos do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, concluiu que a alimentação pode influenciar o comportamento das crianças portadoras do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH). O neuropediatra Antônio Carlos de Farias estudou 235 casos de meninos e meninas, dos quais 103 com o diagnóstico do distúrbio, e concluiu que alimentos com manganês, como arroz e soja, podem ser prejudiciais e aumentar a gravidade do transtorno. "O principal fator é genético, mas as questões do ambiente têm implicações", ressalta. A descoberta serve de alerta aos pais e foi publicada em uma revista científica internacional, há dois meses.
Como a gravidade do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) pode ser afetada pela alimentação?
O TDAH é caracterizado por diversos graus de desatenção e hiperatividade. Isso se manifesta em várias fases do desenvolvimento e tem implicações na escola, na aprendizagem, no trabalho e nas relações interpessoais. Entre 70% e 80% dos casos têm causas genéticas. Quando um pai tem TDAH, as chances de o filho desenvolver a doença estão acima de 50%. O principal fator é genético, mas as questões do ambiente têm implicações, como as práticas educacionais dos pais e a carência ou falta de qualidade da alimentação. Quanto aos fatores ambientais, eles são relacionados muito mais com a gravidade do transtorno, não o desencadeiam. O que sabemos é que há alguns alimentos que podem ser prejudiciais, como os que contêm níveis elevados de manganês. Esse é um mineral essencial, mas na dose certa. O processo é semelhante ao de um medicamento. Existe um nível que quando ultrapassado pode se tornar prejudicial ao corpo humano. O manganês tem nível de toxidade significativo para os circuitos cerebrais. Quando há excesso dessa substância, ele se deposita principalmente no cérebro. Tende a entrar dentro do neurônio por uma enzima chamada transportador de dopamina. Ela está na origem do TDAH, porque capta a dopamina para o interior do neurônio. Se o manganês altera esse processo, piora os sintomas da transtorno.
Onde o manganês é encontrado?
O manganês está presente principalmente em cereais, arroz, soja, glúten, entre outros. Houve um período em que a merenda escolar estava focada muito na soja. Havia leite e carne dessa susbtância de forma abundante. Identificamos que nas crianças com TDAH o nível de manganês estava bem mais elevado do que naquelas sem o diagnóstico da doença. Para as crianças com TDAH, ministramos o medicamento indicado e seis meses depois o nível de manganês havia caído. Isso mostrou que o medicamento atua no transportador de dopamina e que essas crianças, quando têm a transtorno e são expostas ao TDAH, têm uma piora nos sintomas com o manganês.
Há outras substâncias prejudiciais?
Há outras substâncias que estão relacionadas com os sintomas do TDAH. Uma delas é o chumbo, um metal pesado. Mas o problema com chumbo ocorre mais em níveis ambientais. Há também relação com o zinco, mas não há trabalhos replicados. Nosso trabalho saiu em uma revista internacional há dois meses e também vamos acompanhar o nível de replicação.
O que caracteriza uma criança com TDAH?
Essa é uma doença neurocomportamental, com uma prevalência de cerca de 5% da população em idade escolar. Em toda turma de 40 alunos, poderá haver ao menos uma criança com o transtorno. Os principais sintomas são impulsividade, hiperatividade e desatenção. Durante toda a vida, há diversas formas de manifestação. Em conversas com familiares, percebe-se que há distúrbio de sono, agitação na escola. À medida em que a idade avança, aparecem sinais como desorganização, falta de senso de memória de trabalho e habilidade reflexiva. Há uma relação com a área no cérebro que trabalha com a satisfação, podendo ocasionar abuso de drogas. Em função da impulsividade há alta rotatividade no emprego, dificuldade de chegar à universidade. Não há cura, mas há controle. Uma criança com miopia também sofre, mas pode controlar.
Há excesso no uso de medicamentos?
Há dois fatores. Hoje as pessoas têm mais acesso à informação e conseguem identificar de forma mais clara a doença. Se por um lado há crianças que não precisam tomar o medicamento e tomam, o contrário também ocorre. O importante é lembrar que sintomas como desatenção e hiperatividade devem ser dimensionados. Todas as pessoas são um pouco dispersas e impulsivas. Na criança isso é muito mais complexo. Essa análise deve focar não só nos sintomas, mas o impacto na vida das pessoas. Se sou desatento, mas isso não me prejudica, isso deve ser levado em conta (na hora de decidir se a pessoa deve ou não ser medicada). O medicamento deve fazer parte do tratamento.