Publicado em: 14/09/2010
Os psicólogos se sentem cada vez mais e temerosos de perder seus pacientes para psiquiatras
Existe, hoje em dia, uma assombração que ronda os consultórios dos psicólogos e dos psicanalistas: a Neurociência. Os psicólogos se sentem cada vez mais e temerosos de perder seus pacientes para psiquiatras que, por sua vez, têm acesso cada vez maior a um grande número de medicações para todos os tipos de desconforto psíquico. As relações entre Psicologia e Neurociência estão cada vez mais tensas.
Essa tensão reflete não apenas a indisponibilidade das pessoas para tratamentos mais longos através da psicoterapia como também um embate teórico. A Neurociência sustenta que a mente é um produto do cérebro e que o mental é redutível ao cerebral. Há uma espécie de consenso social velado acerca dessa posição que, no entanto, se choca frontalmente com nossas crenças religiosas mais arraigadas segundo as quais o cérebro é apenas o hospedeiro biológico de uma mente imortal.
Mas essa posição tropeça em vários obstáculos. Aproximamo-nos de saber como o cérebro pode produzir a mente e onde ela se localiza, mas há uma questão que permanece intratável: o problema da causação mental. Não sabemos como o mental pode interferir no físico, pois não sabemos se é o cérebro que controla a mente ou se ocorre o oposto. Os psiquiatras parecem apostar na primeira possibilidade e os psicólogos e psicanalistas na segunda. Psiquiatras apostam na medicação; psicanalistas, na psicoterapia.
Os neurocientistas nos dizem que teorias psicológicas fundadas em ideias como as de apego, ressentimento, assertividade etc., desaparecerão na medida em que formos identificando seus correlatos neurais. Sentimentos, como a angústia, a inveja, etc., seriam meras ilusões que cederiam através do tratamento pelo uso de medicamentos. A felicidade é, para muitos neurocientistas, uma conquista farmacêutica. Isso reflete a ideia de que se, não podemos mudar o mundo, é melhor que mudemos nosso cérebro.
São ideias assustadoras. Mas, o que deve soar como algo ainda mais paradoxal para os psicanalistas é o fato de elas terem sido preconizadas pelo próprio Freud. Numa passagem conhecida do Esboço de Psicanálise, ele afirmou que "o futuro talvez nos ensine a agir diretamente, com a ajuda de algumas substâncias químicas, sobre quantidades de energia e sua distribuição no aparelho psíquico. Por ora, dispomos somente da técnica psicanalítica".
Será que os psicanalistas se esqueceram dessa passagem? Será que já estamos vivendo os dias nos quais já não precisamos da Psicanálise e da Psicoterapia? E nos quais admitiríamos, seja como freudianos, seja como psiquiatras, que a felicidade é só um estado cerebral fugaz. A Neurociência teria achado atalhos alternativos à técnica psicanalítica?