O risco da migração do tráfico

Publicado em:  30/09/2010

 A repressão cada vez maior ao tráfico de drogas no Rio de Janeiro trouxe uma preocupação às autoridades paranaenses de segurança pública. O temor é que criminosos expulsos durante a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em morros cariocas migrem para outros estados, entre eles o Paraná. Embora não exista nenhum indício concreto até o momento, a Polícia Federal e o Ministério Público admitem estar atentos a esse possível movimento.

Tradicional ponto de passagem de drogas e armas oriundas do Paraguai, o Paraná não é uma região estranha para os traficantes do Rio. Tanto é que nos últimos 30 dias seis homens ligados a facções fluminenses foram presos no estado: três em Foz do Iguaçu, um em São Miguel do Iguaçu e dois que participaram da morte do delegado José Antônio Zuba, em Pontal do Paraná, no litoral do estado. Mas, até agora, não há nenhuma prova concreta de que os bandidos possam estar se estabelecendo aqui.

O coordenador estadual do Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MP, procurador Leonir Batisti, diz que não há indícios suficientes que indiquem uma migração. “O Paraná ainda vive uma situação de trânsito desses traficantes”, ressalta. Mas ele não duvida de que isso possa ocorrer, já que os traficantes cariocas têm perdido território e mercado nos últimos anos, seja pela ação da polícia ou de milícias. “Traficante é comerciante. Ele vai buscar seus mercados e pode trazer mais violência”, afirma.

Na capital fluminense, a discussão sobre a migração local é constante, mas ainda não se debate a saída de traficantes cariocas para outros estados. “É claro que tem de haver uma preocupação, mas ainda é cedo para avaliar”, explica o sociólogo e membro do Laboratório de Análise da Violência do Estado do Rio de Janeiro, Ignácio Cano.

Para ele, um dos principais empecilhos no combate ao tráfico de drogas no país é a falta de integração de informações e de trabalho em conjunto dos estados. Essa dificuldade cria um obstáculo para monitorar uma possível migração. “O Brasil tem dificuldades em coordenar as forças policiais dos estados em razão do tamanho do país”, analisa.

Na avaliação do ex-secretário da Segurança Pública de Minas Gerais, o sociólogo Luís Flávio Sapori, a migração não seria tão simples. O movimento poderia causar um confronto com traficantes do Paraná. “A migração poderia até ocorrer, mas em grupos muito mais organizados”, diz.

Morros pacificados

Hoje há 11 morros com UPPs no Rio de Janeiro. Mas ainda falta mais de uma centena de comunidades para serem pacificadas, entre elas a Rocinha e o complexo do Alemão. As duas favelas, apontadas como as maiores e mais violentas do Rio, devem receber as novas unidades da polícias em 2011, segundo o planejamento do governo fluminense.

Foi da Rocinha que vieram três dos quatro homens que assassinaram o delegado Zuba, em Pontal do Paraná, no mês passado. “Preocupação [com a migração] sempre há, mas os cariocas que vieram para cá se deram mal. Eles ainda olham para o Paraná com receio”, conta o delegado titular da unidade de Curitiba da Denarc, Renato Bastos Figueiroa. No caso da morte do policial, dois criminosos terminaram mortos durante a fuga e outros dois foram detidos.

Tráfico sem divisas

A Polícia Federal ainda não acredita em uma migração de traficantes no curto prazo, mas mantém atenção voltada para um fenômeno como esse no futuro. Segundo o delegado federal Wágner Mesquita, a preocupação maior ainda é com o trabalho em conjunto dos criminosos na logística do tráfico.

De acordo com ele, é a parceria entre traficantes de outros estados com os criminosos locais que deve ser atacada pelos órgãos de segurança. Ele explica que os criminosos dividem o pagamento do transporte da droga vinda de outro país. O delegado Figueiroa, da Polícia Civil do Paraná, também acredita que esse seja um problema maior. “O frete é caro. A cada quilo de droga é cobrado normalmente R$ 1 mil”, conta.

Rio de Janeiro

A Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro afirma não ter informações que comprovem a mudança de traficantes para outros estados em razão das UPPs. De acordo com o órgão, “a migração, mesmo quando acontece dentro do Rio, é pequena”. O coordenador da Polícia Paci­ficadora, coronel Robson Rodri­gues, conta que há um acompanhamento dos principais criminosos que estavam ou estão nos morros pacificados.

“Vale lembrar que há alguns anos era muito comum que criminosos daqui fossem presos em outras localidades, como aconteceu com Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, preso no Ceará, em 1996. Naquela época ainda não havia UPPs, mas os criminosos migravam e voltavam”, explica. Muitas vezes em fuga ou quando procurados pela polícia ou rivais, precisavam desaparecer por uns tempos.

Uma paz nunca antes imaginada

Para quem mora nos 11 morros ocupados pelas Unidades de Polícia Pacificadora, no Rio de Janeiro, há uma certeza: a vida da comunidade mudou da água para o vinho. Antes, o comum era ouvir tiros e cruzar com homens armados em cada esquina. Hoje, a situação – recente para a grande maioria das comunidades – demonstra uma paz nunca antes vista ou imaginada.

Em época de conflitos, o vice-presidente da Associação de Moradores da Babilônia, Carlos Antonio Pereira, 48 anos, costumava se esconder no banheiro com a família. Mas desde junho de 2009, ele e cerca de 7 mil moradores do morro, que fica na zona sul do Rio, sentem-se mais seguros e cidadãos. No pacote, além da segurança também vêm as ações de urbanismo e os projetos sociais. “O que nos foi negado por tantos anos, agora estamos tendo o direito”, diz.

A dinâmica de ocupação é complexa. No entanto, as notícias relatam que as saídas das facções criminosas têm sido tranquila, sem confrontos. Na Babilônia, membros do Comando Vermelho e do Amigos dos Amigos (ADA) fugiram na véspera da ocupação, carregando armas e o que podiam. A própria organização tem um planejamento. “Não houve resistência porque os ‘negócios’ tinham que ser tocados em outro lugar”, lembra Pereira. Ele diz que o crime organizado migrou para a Baixada Fluminense e Niterói.

Estratégia

Responsável pela coordenação das Unidades Pacificadoras do Rio, o coronel Robson Rodrigues admite que os traficantes com antecedentes criminais e mandados de prisão, com certeza, procuram migrar para outra área da cidade que possua ligação com a facção criminosa à qual pertencem. No entanto, o comandante avisa que a perda do território e da influência impossibilita o traficante de ter o mesmo poder que tinha anteriormente. Alguns ficam à espera da situação anterior. Quando percebem que as mudanças são permanentes, vão embora ou se reajustam à sociedade.

É o que aconteceu na favela do Cantagalo, ocupada desde dezembro do ano passado. O presidente da associação de moradores, Luiz Bezerra, diz que nem os moradores acreditam estar vivendo em um “morro que parece bairro”, tamanha a calmaria. Dos envolvidos com o tráfico, que saíram para outras comunidades, 20 já lhe procuraram pedindo emprego. Destes, oito já estão no mercado de trabalho. Alguns deles, menores.

O morro Dona Marta foi o primeiro a passar pelas mudanças. Em 2008, a regra até então ditada pelo bandido foi substituída pelo poder policial. O diretor cultural e social da associação de moradores, Antônio Guedes, 47 anos, conta que a ronda é feita 24 horas. “Agora aqui tem regras”. O novo paradigma de que o policial pode ser parceiro dá a certeza do caminho correto.

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