Publicado em: 19/11/2010
Imagine-se sentado em uma mesa de bar com amigos. Tire um cigarro do bolso e o acenda. Seus próprios colegas, além do dono do estabelecimento, vão pedir que o cigarro seja apagado em respeito à Lei Antifumo. Agora, pense na mesma mesa de bar com os mesmos amigos. Depois de algumas cervejas, levemente embriagado, você se levanta para ir embora com a chave do carro em mãos. Algum de seus amigos vai lhe recriminar ou impedir sua atitude?
Na maior parte dos casos, a resposta é não. E os números comprovam isso. Hoje, dia em que a Lei Municipal Antifumo completa um ano em Curitiba, das 21 mil inspeções feitas em estabelecimentos comerciais da capital no período, apenas 94 – um índice de 0,45% – resultaram em autuação contra o proprietário do estabelecimento. No trânsito, por outro lado, a situação é diferente, apesar da Lei Seca. Em 2010, somente a Polícia Rodoviária Federal (PRF) multou mais de 3 mil motoristas por embriaguez e mais de 1,3 mil foram presos no Paraná. Só no feriado da Proclamação da República foram 3,4 mil testes de bafômetro realizados, com 89 autuações e 49 prisões.
Mas por que aparentemente uma lei pegou e a outra não? O presidente da Comissão de Direito de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Paraná (OAB-PR), e professor de Direito de Trânsito, Marcelo Araújo, considera a questão cultural. “Quando se fuma em local fechado ou mesmo quando o celular toca em uma sessão de cinema, o constrangimento gerado é tão expressivo que obriga a pessoa a mudar o seu comportamento. Por ser visto como algo comemorativo, a situação do álcool é diferente”, opina. O próprio conhecimento sobre a lei é um indicativo da propensão em praticar ilegalidades. “Ninguém conhece o valor da multa por fumar em público, mas sabe tudo sobre dirigir depois de beber”, diz.
De uma maneira geral, a eficiência das leis antifumo em comparação com a Lei Seca, em vigor desde junho de 2008 no Brasil, se deve ao fato de o próprio cliente dos bares atuar como fiscal. Em São Paulo, a legislação completou um ano em agosto, com 360 mil inspeções realizadas e 822 multas aplicadas, um porcentual de 0,22% de descumprimento. Na capital paulista, as 92 mil visitas geraram 395 multas. Diretora da Vigilância Sanitária Estadual de São Paulo, Cristina Megid afirma que a estratégia de implantação pode influenciar o resultado. “A população acreditou que a Lei Antifumo era para valer porque viu a fiscalização maciça nas ruas”, diz.
Sem fiscalização, aparece a certeza da impunidade, o que, na avaliação de Luciano Bartolomeu, presidente-executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes do Paraná (Abrasel-PR), afeta o cumprimento da Lei Seca. “As penas não são tão severas como nos Estados Unidos ou na Europa. Trata-se de uma questão de educação, orientação e punição”, diz.
O proprietário do bar Ao Distinto Cavalheiro, Carlos Guimarães, traz novo argumento à discussão. Para ele, o sucesso da Lei Antifumo se deve ao fato de que quem comete a infração não é punido. “A lei foi muito bem bolada sobre essa ótica. Se uma pessoa fumar uma vez, o dono de bar avisa de forma gentil a pessoa. Na segunda, há um novo alerta. Na terceira, o proprietário é obrigado a pedir para a pessoa se retirar, pois é ele quem paga a multa”, explica. Na opinião de Guimarães, a Lei Seca, por outro lado, exige uma decisão de foro íntimo de cada pessoa. “Não há o que o proprietário fazer nesse sentido. Eu nem sei se meus clientes vieram ou não de carro para cá”, afirma.
Mudança de hábito
Para o inspetor da PRF Fabiano Moreno, boa parte da população ainda não despertou para a responsabilidade de estar no trânsito. “O carro é o equipamento mais complexo permitido a um leigo assumir. O motorista precisa entender que dirigir alcoolizado é conduta criminosa”, afirma. Na avaliação de Moreno, a Lei Seca trouxe ganhos e está punindo os motoristas que insistem em beber e dirigir. “Está sendo aplicada de forma rigorosa, mas transformar esse comportamento exige uma mudança de hábito”, diz. E nesse caso, pelo visto, leva mais tempo.
Bares defendem “fumódromos”
O presidente-executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes no Paraná (Abrasel-PR), Luciano Bartolomeu, afirma que, ao contrário do que era esperado, as casas noturnas não perderam movimento desde a promulgação da legislação. “Antes, as placas de área para não fumantes não eram respeitadas. Agora, é possível ir a uma casa noturna e voltar sem o cheiro de cigarro”, diz. Entretanto, Bartolomeu afirma que 35% dos clientes fumam e se sentem desrespeitados pela lei, segundo pesquisa interna da instituição. “A lei foi boa, mas acabou discriminando os fumantes porque não existe local apropriado. Já que o país não proíbe a venda do cigarro, nós defendemos a liberação dos ‘fumódromos’ como solução”, argumenta. Conforme Bartolomeu, uma ação proposta pela Abrasel-PR para liberar a instalação dos “fumódromos” está no Supremo Tribunal Federal (STF).
Ao completar um ano, a Lei Antifumo entra agora na segunda fase de instalação, de acordo com a Secretaria de Saúde de Curitiba. Segundo o diretor do Centro de Saúde Ambiental, Sezifredo Paz, o primeiro momento de consolidação da norma já foi ultrapassado. “Os proprietários se preocuparam com a lei e os fumantes passaram pela fase inicial de adaptação. Agora, estamos em uma fase de sustentabilidade, pela própria consciência adquirida pela população”, afirma.
Apesar da satisfação com os números, Paz garante que as fiscalizações e orientações seguem ocorrendo. “O resultado é fruto da estratégia. Fizemos trabalho de formação e orientação, mobilizando os segmentos em que haveria impacto. Agora, vamos continuar com essa linha de trabalho”, diz. Ele também ressalta a importância da lei na promoção da saúde, uma das recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) em razão do risco que o cigarro traz aos cidadãos.
Serviço:
Frequentadores de casas noturnas podem denunciar estabelecimentos que desrespeitam a Lei Antifumo por meio dos telefones 156 ou 0800-6440041.
Garçons já não fumam sete cigarros por noite
Trabalhadores de casas noturnas, bares e restaurantes, como garçons, barmens e promotores, são os maiores beneficiados pela Lei Antifumo. De acordo com João Adriano de Barros, professor da Universidade Federal do Paraná e membro das Sociedades Brasileira e Paranaense de Pneumologia e Tisiologia, estudos comprovam que um garçom fumava passivamente sete cigarros por noite antes de a legislação entrar em vigor – é possível medir o nível de nicotina por meio da urina. “Para os indivíduos que ficam muito tempo nesses ambientes, há diminuição da chance de desenvolver bronquite crônica ou enfisema pulmonar”, explica.
Para os frequentadores, o pneumologista esclarece que pessoas com alergias, como asma ou rinite, deixam de ser agredidas pelo cigarro. “Uma parcela considerável da população está nessa situação. Cerca de 10% apresentam asma e 30% rinite”, diz. Barros argumenta que a concentração da fumaça de cigarro nos ambientes também diminui a imunidade, aumentando o desenvolvimento de processos infecciosos, como resfriados e gripes.