Crack atinge 98% das cidades

Publicado em:  15/12/2010

Prejuízos provocados pela droga não estão restritos a grandes centros urbanos, o que exige revisão de políticas públicas

 

As consequências devastadoras do crack sobre a sociedade, como tráfico, violência e dependência química, já assolam 98% dos municípios brasileiros. A droga não segue mais um perfil específico de usuário e também não se restringe mais às grandes cidades. Essa reconfiguração exige nova postura do Estado, com políticas públicas de saúde extensivas, hoje concentradas nos grandes centros urbanos. Essa é a avaliação da Con­fe­deração Nacional dos Muni­cípios (CNM), responsável por um estudo que escutou 3.950 dos 5.563 dos municípios brasileiros (71%) sobre o consumo e o combate ao crack por meio de seus secretários de Saúde.

O estudo feito entre os dias 2 e 23 de novembro deste ano não vai muito a fundo no problema do crack, uma droga altamente viciante e de consequências extremamente danosas ao cérebro. Não mede a rede de atendimento dos municípios à população usuária ou o combate ao tráfico, por exemplo, e também não traça nenhum paralelo com períodos anteriores, mas é relevante por demonstrar que existe um desequilíbrio entre as esferas federal, estadual e municipal na luta contra a droga. “Estamos falando de uma geografia do crack”, disse o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski. “O problema alcançou uma di­­mensão nacional. Não está mais nas grandes cidades, mas nas áreas rurais”, completou. Para Ziulkoski, falta planejamento estratégico para enfrentar o problema.

O estudo mostra que apenas 14,78% dos municípios pesquisados têm algum tipo de Centro de Atenção Psicossocial (Caps) – o mínimo de estrutura recomendado pelos especialistas para o tratamento de dependentes químicos – e somente 8,43% (ou 333 cidades) possuem um programa próprio de combate ao crack instituído. No to­­tal dos pesquisados, 62,4% de­­clararam não receber apoio financeiro federal, estadual ou de qualquer outra instituição para as ações de combate.

No entanto, mesmo sem um programa definido e com a falta de apoio das demais esferas de governo, 48,15% dos municípios brasileiros pesquisados declararam que conduzem alguma ação de combate ao crack. Entre as regiões do país, o Sul se destaca nesse aspecto – com uma média de 56% das cidades com alguma ação –, e o Rio Grande do Sul é o estado com a maior proporção de municípios com algum tipo de ação de enfrentamento à droga (64,50%).

Para a CNM, o estudo demonstra que a política praticada no “Sistema Único de Saúde (SUS) é de desconcentração das ações e serviços de saúde e que falta responsabilidade da União e dos estados, sobrecarregando os municípios com a responsabilidade e o financiamento dessa política”.

Plano federal

A entidade critica também o Plano Nacional de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, lançado em maio deste ano pelo governo federal, com um orçamento de R$ 140,9 milhões e ações específicas, como a ampliação de leitos para tratamento dos dependentes químicos (2,5 mil em hospitais gerais e 2,5 mil em comunidades terapêuticas) e a instalação de um CapsAD de categoria III (com funcionamento 24 horas) para cada 200 mil habitantes, entre outras. Para a CNM, o governo federal errou ao limitar o Plano aos municípios com mais de 20 mil habitantes, ou seja, 1.643 ou 29,5% das cidades brasileiras.

Por outro lado, apenas 3,39% desses municípios disseram à CNM já ter respondido ao edital do Plano para firmar convênios. O prazo final para o envio de projetos para o Ministério da Saúde era 29 de novembro. O órgão federal promete divulgar um balanço sobre as ações do Plano e a participação dos municípios ainda esta semana. Para os municípios com menos de 20 mil habitantes, a ideia é implantar Nú­­cleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf).

Entre as soluções sugeridas pela CNM está o reforço da fiscalização nas fronteiras (são 580 municípios nessa faixa) e um controle mais rigoroso da indústria química, para que o manuseio de elementos usados na produção de drogas seja mais controlado.

Papel dos municípios

Apesar das limitações orçamentárias, o médico presidente da So­­ciedade Paranaense de Psi­quia­tria, Marco Antônio Bessa, acredita que é nos municípios que as soluções de combate ao crack podem surgir. “É mais fácil ver surgir as saídas a partir de iniciativas locais do que de um plano nacional. Quanto à dificuldade de verbas, a questão não é só quanto, mas como o dinheiro é distribuído”. Ele acredita que uma mudança de postura, que priorizasse a saúde mental e o combate às drogas, poderia, perfeitamente, começar nas prefeituras.

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