Publicado em: 16/01/2011
Um gesto feito pelo cliente da porta da farmácia e a frase “eu quero aquele genérico” já fazem com que o farmacêutico Fabiano Trombini entenda o recado: o cliente veio procurar a chamada “pílula azul” – sildenafila, tadalafila, vardenafila ou lodenafila, substâncias utilizadas para tratamento da disfunção erétil. Por trás da permanência desses remédios no ranking dos mais vendidos no país, tanto no mercado formal quanto no informal, estão homens jovens que não precisam do medicamento, mas tomam por diversão.
Apesar de o índice de homens com algum grau de disfunção erétil no país ser considerado alto – cerca de 45%, segundo a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) –, não são os pacientes que necessitam de tratamento que buscam pelo medicamento. As farmácias vendem esses remédios sem pedir receita médica, uma exigência da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa).
José Luiz Portela, atendente em uma farmácia no bairro Água Verde, em Curitiba, conta que a venda desse tipo de remédio aumenta a partir das quintas-feiras, para consumo no fim de semana. “Quem mais vem é jovem, de 25 a 35 anos. Idosos costumam aparecer raramente”, diz.
Os remédios mais procurados são o Viagra, o Cialis e o genérico, liberado em junho do ano passado, após quebra da patente que barateou a substância em 50%. “Só quinta e sexta vendo para pelo menos 20 pessoas”, conta Portela.
De acordo com o urologista do Hospital de Clínicas da UFPR Fernando Lorenzini dor de cabeça é o efeito colateral mais recorrente quando se faz uso desse tipo de medicamento, independentemente da idade ou se a pessoa tem, de fato, disfunção erétil. Isso acontece porque as substâncias são vasodilatadoras. “Congestão nasal, tontura e sensação de calor na face são outros sintomas. É uma reclamação comum dos pacientes, e atinge de 10% a 20% de quem utiliza.”
Segundo o presidente da SBU, Modesto Jacobino, o perigo de tomar as substâncias somente para melhorar o desempenho sexual é que ainda se sabe pouco sobre os prejuízos em longo prazo. “Não sabemos qual pode ser o efeito físico.” Entretanto, acredita que há mais perigo de uma dependência psicológica por parte dos jovens.
É no fim de semana que jovens como Pedro e José (nomes fictícios), ambos de 29 anos, costumam fazer uso de substâncias indicadas para quem tem disfunção erétil, embora nenhum dos dois afirme ter o problema.
O presidente da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), Modesto Jacobino, acredita que a disfunção erétil (DE) é um problema de saúde pública. Porém, condena o uso por recreação. “Mais de 70% dos homens compram sem receita médica. Isso é sério. A disfunção erétil pode indicar doenças mais graves, como um problema coronariano ou diabete. Por isso a visita ao médico é fundamental.”
O urologista do Hospital de Clínicas da UFPR Fernando Lorenzini explica que, apesar de supostamente saudáveis, muitos jovens que fazem uso de substâncias para DE podem ter algum problema metabólico ou cardiológico desconhecido. “É possível existir contraindicação que o jovem não sabe. Por isso, a consulta médica é sempre indicada.”
Lorenzini salienta que homens que ingerem substâncias com nitratos, geralmente encontrados em remédios para tratamento de doenças do coração estão absolutamente proibidos de utilizar remédios para disfunção erétil. “A pressão pode cair a ponto de o paciente não se recuperar e morrer.” O médico também orienta que o usuário respeite a dose recomendada. “O efeito não é maior com mais comprimidos e pode levar prejuízos ao paciente, como intoxicação e problemas no fígado.”
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) frisa que medicamentos com indicação para disfunção erétil não são dispensados de prescrição médica. A Anvisa salienta, ainda, que vender esses remédios sem receita médica “constitui prática irregular e deve ser alvo de ações de fiscalização dos órgãos competentes”.
Faturamento
A venda de Viagra aumentou 8,3% entre 2009 e 2010, passando de 6,3 milhões de pílulas para 6,9 milhões, segundo o laboratório fabricante, o Pfizer, um dos líderes de mercado, junto com o Cialis, do laboratório Eli Lilly. Dados da IMS Health (que audita o mercado farmacêutico) apontam que o mercado brasileiro faturou, entre janeiro e novembro do ano passado, R$ 124,5 milhões com a venda de Viagra.
Os dois laboratórios condenam o uso sem indicação médica. “A Lilly reitera a importância do paciente procurar um médico, pois somente o especialista pode detectar a necessidade do uso do medicamento”, informou o laboratório Eli Lilly. “A Pfizer não indica o uso de Viagra ou de qualquer outra medicação sem necessidade ou sem prescrição médica. Para jovens saudáveis, sem problemas de ereção, o medicamento para disfunção erétil não traz benefício.”