Publicado em: 04/05/2011
Medida ajudará paciente do SUS, diz HC
Superintendente afirma que dinheiro dos planos de saúde financiará melhorias no serviço gratuito do hospital
Médicos ouvidos pela Folha temem diferença de tratamento entre pacientes do SUS e os que têm convênios
Zanone Fraissat/Folhapress![]() |
Pacientes em corredor do PS das Clínicas, que vai aumentar em 300% os atendimentos vendidos a empresas privadas
LAURA CAPRIGLIONE
DE SÃO PAULO
Símbolo mais vistoso da saúde universal, pública e gratuita no Brasil, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP vai destinar 12% de seus atendimentos aos planos de saúde.
Com isso, o HC quadruplicará os serviços prestados a convênios (hoje, apenas 3% dos atendimentos são vendidos aos planos).
Boa parte dos médicos ouvidos pela Folha acredita que a ampliação do atendimento aos portadores de planos de saúde gerará diferenças de tratamento em relação aos pacientes do SUS.
A chamada "dupla porta" de acesso ao hospital acaba privilegiando os pacientes conveniados. Eles podem marcar consultas e realizar p rocedimentos eletivos com mais agilidade.
O projeto é defendido pelo superintendente do HC, o médico Marcos Fumio Koyama, 37. Mais jovem ocupante do cargo que já pertenceu a baluartes da medicina do país, como Enéas de Carvalho Aguiar e Vicente Amato Neto, Fumio acredita que a ampliação do atendimento aos planos de saúde possibilitará atender mais pacientes SUS "e melhor".
O doutor Fumio é um tipo peculiar de médico. A residência, ele fez em administração hospitalar. O mestrado, na Fundação Getulio Vargas. Calouro ainda na medicina da USP, ficava mais impressionado com o excesso de exames para diagnosticar um paciente, do que com a própria enfermidade.
Formado, foi para a AIG Seguros. Especializou-se em ampliar a lucratividade do banco no negócio da saúde. Voltou para a Faculdade de Medicina da USP em 2007.
"Não acho que podemos nos contentar em ser, na rede pública, um arremedo do que é feito de melhor na iniciativa privada", diz.
ARITMÉTICA
Fumio diz que o dinheiro dos planos será usado para financiar melhorias no atendimento gratuito do HC, pago pelo SUS.
"Hoje, os planos pagam 3% dos atendimentos totais do HC. Mas o que eles pagam (R$ 100 milhões/ano) já responde por 10,6% das nossas receitas (R$ 940 milhões)."
Para o médico, cada "paciente com plano de saúde" gera recursos suficientes para o atendimento de três ou quatro "pacientes do SUS".
Segundo as contas, pagando por 12% dos procedimentos do HC, os planos de saúde injetariam recursos que poderiam alcançar até 40% do orçamento atual do hospital.
O paradigma desse modelo é o Instituto do Coração do HC, em que 18% dos leitos já são destinados a pacientes particulares, gerando 50% da receita (os 50% restantes são do tesouro público).
"Costuma-se dizer que o paciente plano de saúde tirará leitos dos pacientes SUS. É o contrário. O paciente do plano de saúde permitirá ampliar e melhorar o atendimento ao paciente do SUS."
Pesquisa feita neste ano no HC mostra que 11% dos atendimentos pelo SUS (gratuitos) foram prestados a pacientes que têm planos de saúde.
"Veja, 11% de pacientes de planos de saúde estão usando recursos do SUS -quando poderiam ser atendidos pelos planos. O que existe hoje é um Robin Hood ao contrário. Tira-se dos pobres para dar aos ricos. Por que não resolver isso em uma relação contratual normal?", indaga.
A ampliação do atendimento aos planos será gradual. O objetivo, diz Fumio, é concluir o projeto até o fim de seu mandato (quatro anos).
Médicos veem medida com preocupação
A decisão de destinar aos planos de saúde 12% dos atendimentos do HC é vista com "extrema preocupação" por alguns médicos.
"Na prática haverá cidadãos de duas categorias disputando o mesmo serviço: um pagante [particular] e outro não pagante [SUS]. Será muito difícil evitar que os não pagantes não acabem preteridos", diz Renato Azevedo Júnior, presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo.
Nacime Salomão Mansur, superintendente de dez hospitais "100% SUS" afiliados à SPDM, Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina, critica a medida. "Imagine dois pacientes necessitando de exames e de internação. Um será atendido em uma semana. O outro, sem recursos, terá de esperar até um ano. Como o gestor impedirá essa distorção?"