O Ministério da Saúde deveria contribuir para a definição de um programa de combate ao mercado ilegal

Publicado em:  04/07/2011

Artigo escrito por Roberto Iglesias, economista, consultor da Aliança de Controle do Tabagismo
 
O Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, afirmou recentemente que não considera prioritário o aumento de preços dos cigarros no país, pois, segundo ele, não adianta mexer no preço sem medidas fortes de combate à "pirataria". O comércio ilegal levaria os brasileiros com menos recursos a encontrar o produto mais barato e com embalagens sem normas de advertência.
 
O Banco Mundial, depois de diversos estudos, recomendou que a proporção do imposto sobre o preço final do cigarro seja entre 2/3 (67%) y 4/5 (80%). A Organização Mundial da Saúde recomenda que o imposto exclusivo sobre o cigarro (em nosso caso, o Imposto sobre Produtos Industrializados) seja de aproximadamente 70% do preço final. O Brasil tem uma proporção em torno de 60% de carga tributária total e de 26% de IPI sobre o cigarro mais vendido, inferiores aos países com renda média semelhante, como Chile, Uruguai e México.   O país ainda diminuiu a carga tributária sobre o fumante nos primeiros anos da década passada, quando comparada com os anos 90, enquanto os consumidores dos demais produtos sofreram aumento da pressão tributária. 
 
Deve-se lembrar que a Convenção-Quadro para o Controle do Tabagismo, que o país aprovou, estabelece, no seu artigo 6,  que as políticas tributárias são eficazes para reduzir o consumo.  Já o artigo 15 assinala um conjunto amplo de iniciativas que os países devem realizar para controlar o mercado ilegal. A CQCT não subordina a política de impostos e preços ao controle do comercio ilícito de produtos de tabaco. São duas políticas diferentes, que devem caminhar juntas, mas não subordinadas nem condicionadas.
 
Na realidade, até a entrevista do Ministro da Saúde, quem argumentava publicamente propondo a subordinação das políticas de preços e impostos ao controle do mercado ilegal era a indústria de tabaco. Talvez seja bom relembrar que as empresas de tabaco legalmente estabelecidas no Brasil contribuíram para criar o mercado ilegal na fronteira brasileira - paraguaia, exportando até 10 vezes o consumo anual do país vizinho. Depois disso, criou-se a cadeia logística para acessar e transportar ao território brasileiro o estoque exportado ao Paraguai.    
 
Estas atividades de exportação e reintrodução ilegal no território brasileiro foram funcionais para convencer as autoridades econômicas brasileiras a subordinar a política impositiva e a reduzir a carga tributária sobre o fumante a partir de 1999, em contradição com a política macro-fiscal e de controle do tabagismo no país.   A experiência recente das consultas públicas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária mostra que o argumento do mercado ilegal é sempre funcional para se opor às políticas de saúde pública de controle e regulação dos produtos de tabaco.
 
Quando há mecanismos de oferta ilegal de cigarros já instalados, como hoje no Brasil, manter a carga tributária baixa sobre o produto legal não é o instrumento adequado, já que ela atua sobre duas variáveis da demanda de produtos ilegais – preço relativo legal/ilegal e renda disponível/preço do cigarro.  
 
Uma vez instalado o mercado ilegal, a questão é reduzir os incentivos de oferta e distribuição, ou seja, a combinação de ganhos e riscos dessa atividade, reprimindo a produção, que é o ponto mais concentrado da cadeia de oferta, e aumentando os riscos da logística de transporte.  
 
O artigo 15 recomenda acordos sub-regionais e regionais. O Brasil melhorou o controle de suas fronteiras, mas ainda existem debilidades de todo tipo. O país precisa avançar na cooperação regional, pois permitiria fortalecer a administração e fiscalização no Paraguai, onde se concentra a produção do mercado ilegal, controlar a produção e movimento de produtos, intercambiar informações e cooperar nas investigações e no processo penal.
 
É necessário que o combate ao mercado ilegal se traduza em melhor diagnóstico da situação, esforços de coordenação intra-governamentais, impulsionados pelo Ministério da Saúde, e compreensão que a negociação bilateral ou regional para controlar a oferta ilegal na região é o caminho mais eficiente e eficaz de reduzir o comércio ilegal no Brasil.


 


TAGS


<< Voltar