Estudo mostra que dislexia está ligada à audição

Publicado em:  06/08/2011

Ciência

Ilustração: Robson Vilalba

Ilustração: Robson Vilalba /

Saúde

Pesquisadores descobriram que pessoas disléxicas têm mais problemas para reconhecer vozes do que pessoas que não sofrem da condição

The New York Times

Muitas pessoas consideram a dislexia como sendo apenas um problema de leitura, no qual as crianças misturam as letras e in­­terpretam erroneamente pa­­lavras escritas. Mas os cientistas cada vez mais estão acreditando que as dificuldades de leitura da dislexia sejam parte de um quebra-cabeça maior: um problema na maneira como o cérebro processa o discurso e junta palavras de unidades sonoras menores.

Agora, um estudo publicado na semana passada no periódico Science sugere que a maneira como os disléxicos escutam a linguagem pode ter mais im­­portância do que se pensava.

Pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachussetts (MIT) descobriram que pessoas disléxicas têm mais problemas para reconhecer vozes do que pessoas que não sofrem da condição.

John Gabrieli, professor de neurociência cognitiva, e o es­­tudante de graduação Tyler Per­­rachione pediram a pessoas com e sem dislexia que escutassem gravações de vozes combinadas a personagens de desenho animado, em telas de computador. As pessoas tentaram associar as vozes aos personagens corretos, primeiro com áudio em inglês e depois numa linguagem não fa­­miliar, o mandarim.

Os não disléxicos associaram corretamente as vozes aos personagens em quase 70% das ve­­zes quando a linguagem era o inglês e metade das vezes quando era o mandarim. Mas as pessoas com dislexia eram capazes de fazer a mesma coisa apenas em metade das vezes, independente da linguagem apresentada nas gravações.

Disparidade

Especialistas não envolvidos no estudo disseram que essa foi uma notável disparidade. “Nor­­malmente você enxerga enormes diferenças na leitura, mas existem diferenças sutis, no âm­­bito geral, entre indivíduos que sejam ou não afetados pela dislexia quando a gama de testes é ampla”, diz Richard Wag­­ner, professor de psicologia na Uni­­versidade Estadual da Fló­­rida. “Esse efeito foi realmente enorme”.

Sally Shaywitz, diretora do Centro para Dislexia e Criati­­vidade da Universidade Yale, diz que o estudo “demonstra a centralidade do discurso falado na dislexia – que o problema não está no significado, mas sim na captação dos sons do discurso”. Segundo ela, isso explica porque crianças disléxicas frequentemente expressam-se com dificuldades, citando dois exemplos tirados da vida real. “Uma criança estava assistindo a um jogo dos Red Sox no Fen­­way Park, e disse, ‘Oh, estou com sede. Podemos ir ao confessionário [em inglês, ‘confession stand’, enquanto ‘concession stand’ refere-se a uma pequena lanchonete como as de estádios]?’’, diz ela. “Outra pessoa, atravessando um cruzamento lotado, onde muitas pessoas es­­tavam andando, disse, ‘Oh, es­­ses presbiterianos [‘Presby­­te­­rians’ em inglês, em vez de ‘pe­­destrians’, pedestres] deveriam ter mais cuidado’. Não é questão de não saber, mas sim de ser incapaz de ligar o significado correto e que se sabe aos sons que tem-se que emitir para ex­­pressá-lo”.

Audição

Gabrieli diz que as descobertas ressaltaram um problema crítico para as crianças disléxicas que estão aprendendo a ler: a capacidade de uma criança ou­­vir, por exemplo, um pai ou pro­­fessor falar e conectar as unidades auditivas que formam as pa­­­­lavras – os chamados fonemas – com a visão das palavras escritas.

Segundo o professor, se uma criança tem problemas para ab­­sorver os sons que compõem a linguagem, adquirir habilidade para leitura torna-se mais difícil. A pesquisa mostra que as deficiências na linguagem falada persistem até mesmo quando os disléxicos aprendem a ler bem.

Os sujeitos do estudo eram, na maioria, “jovens adultos altamente funcionais, de QI alto e que haviam superado suas dificuldades de leitura”, diz Ga­­brieli. “E mesmo assim, quan­­do tinham de distinguir vozes, não eram nem um pouco me­­lhores, mesmo quando trabalhando com vozes na língua inglesa, que ouviram durante a vida inteira”.

Processos cerebrais

Os especialistas dizem que o novo estudo também mostra a interconectividade dos processos cerebrais envolvidos no ato da leitura. Muitos cientistas consideravam que o reconhecimento vocal era “como reconhecer-se melodias ou coisas primariamente não verbais”, diz Gabrieli.

Antes, pensava-se que o re­­conhecimento vocal era, no cé­­rebro, uma tarefa separada do entendimento da linguagem. Mas essa pesquisa mostra que a leitura normal envolve um “circuito, a habilidade de ter todos esses componentes integrados de maneira absolutamente au­­tomática”, diz Maryanne Wolf, especialista em dislexia da Uni­­versidade Tufts. “Uma das grandes fraquezas na dislexia é que o sistema não é capaz de integrar esses sistemas guiados por fonemas” a outros aspectos da compreensão da linguagem.

Como prosseguimento do es­­tudo, os pesquisadores do MIT têm examinado os cérebros de voluntários enquanto fazem re­­conhecimentos vocais e ou­­tras atividades e descobriram “enormes diferenças entre disléxicos e não disléxicos, em uma gama surpreendente ampla de tarefas”, diz Gabrieli.

“Nós pensamos que deva existir um tipo de aprendizado mais amplo nesses indivíduos, que não esteja operando muito bem, e que em algumas áreas você pode contornar essa deficiência de maneira bem satisfatória. Mas, na linguagem e leitura, esse contorno é difícil”.

Voz e leitura

Os especialistas dizem que um dos destaques do estudo do MIT é que ele isolou a habilidade de processar o discurso vocal, da leitura e das habilidades que en­­volvem o significado da linguagem. As sentenças eram básicas, como “o garoto estava lá quando o sol subiu”, e os sons em man­­darim não significavam na­­da para os ouvintes. Wagner sugeriu, que algo como a tarefa do reconhecimento vocal poderia ser usada para identificar jovens crianças propensas à dislexia.

Os testes diagnósticos frequentemente exigem a separação dos sons e palavras. Pode pe­­dir-se a uma criança que diga a palavra ‘cowboy’ sem dizer ‘boy’. “Para crianças pequenas, é uma tarefa realmente difícil”, diz Wagner. “Algumas vezes, elas simplesmente vão dizer ‘cowboy sem dizer boy’, porque foi exatamente o que foi pedido a elas. O Santo Graal seria a criação de tarefas que possam ser aplicadas em crianças de 3 anos de idade”.

Shaywitz diz que os estudos também têm implicações para o ensino. “Se uma professora per­­guntasse ‘Johnny, qual é a capital do estado de Nova York?’, Johnny faria ‘Uh, uh, uh’ e o pro­­fessor diria, ‘Oh Deus, você não sabe’”, diz Shaywitz. “É mais provável que isso seja um problema de retenção de palavras do que falta de conhecimen­­to. Se ela reformulasse para, ‘A capital é Houston ou Albany?’, Johnny teria maior probabilidade de responder corretamente”.

 


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