Remédio vira vilão em usos não previstos em bula

Publicado em:  03/10/2011

Tratamento

Ingestão de medicamentos para fins distintos dos recomendados pelo fabricante oferece mais riscos do que ganhos para a saúde

Em setembro, uma matéria publicada pela revista Veja apontando os benefícios do uso do Victoza, um medicamento recém-lançado para diabete tipo 2, mas que vem sendo usado como facilitador de emagrecimento, promoveu uma corrida às farmácias. Os resultados do remédio, segundo a reportagem, eram incríveis. Facilmente um paciente poderia perder de dez a quinze quilos em poucas semanas. A resposta da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), porém, foi taxativa: como a utilização para perda de peso não estava registrada em bula – o que caracterizaria uso off label (fora da bula, em tradução livre do inglês) –, não era recomendada a administração do remédio para emagrecer.

Para quem acha o alerta pu­ramente pessimista, a coordenadora do curso de Farmácia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e conselheira do Conselho Re­­gio­nal de Far­­mácia do Paraná (CRF-PR), Cynthia Bordin, explica que a prática de tomar medicamentos para fins não prescritos em bula realmente não é recomendada, já que os riscos são muito maiores que os possíveis benefícios.

“Um remédio passa por uma série de testes e só é comercializado se for verificado que seu uso é seguro para tratar uma doença. Se você opta pelo off label, não sabe quais as implicações para o seu organismo porque não foram feitos estudos para testar esse uso alternativo”, explica. “É um tiro no escuro que tem grandes chances de dar errado.”

O principal problema, segundo a médica endocrinologista e presidente da Câmara Técnica de Medicamentos do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR), Monica Kastrup, é a falta de conhecimento sobre os possíveis efeitos do medicamento em pessoas saudáveis em longo prazo.

“A discussão é até que ponto vale a pena usar um medicamento sem a segurança do que pode acontecer. Desde problemas hepáticos, cardíacos, neurológicos e renais, que podem deixar sequelas permanentes, até casos de parada cardíaca e óbito, nada pode ser descartado se não temos testes que demonstrem as possíveis reações.”

Outra ressalva é que cada organismo reage de maneira única quando é exposto a uma medicação: o que faz bem para um,não necessariamente vai ter efeito positivo em outro. “Também há o risco da dosagem excessiva, já que, sem estudos, não é possível saber qual a quantidade de medicamento necessária para cada caso.”

Discussões antigas

O farmacêutico e assessor técnico do Conselho Federal de Farmácia (CRF) José Luiz Miranda Mal­­do­­na­do explica que as discussões so­­bre o uso off label de medicamentos são antigas e, hoje, influenciam uma “briga” entre as indústrias farmacêuticas.

“Basicamente, se a pesquisa mostra que um determinado remédio oferece efeitos colaterais e eles podem ser comercialmente mais atrativos que o intuito inicial da pesquisa, muda-se o foco e investe-se nesse efeito colateral como solução para outro problema.”

Um exemplo disso é o Viagra. Inicialmente, o medicamento foi pesquisado como um vasodilatador que poderia revolucionar o tratamento de hipertensão pulmonar. Durante a fase de testes, verificou-se que um dos efeitos adversos nos pacientes era um aumento da ereção peniana. “Não deu outra: em algum tempo o uso principal foi deixado de lado e o Viagra virou a sensação das farmácias por seu efeito, até então secundário, contra a disfunção erétil.”

Indicação de Victoza como emagrecedor merece cautela

Para a coordenadora do curso de Farmácia da Pontifícia Uni­ver­si­dade Católica do Paraná (PUCPR), Cyn­­thia Bordin, a palavra de or­­dem quanto ao Victoza é cautela. Segundo ela, fica clara a necessidade de mais testes para dar segurança à prescrição para perda de peso.

“Por ser um medicamento no­­vo, não sabemos ao certo qual o efeito colateral em pacientes diabéticos que o usam por muito tempo. Nos casos de pessoas sem a doen­­­ça que o utilizam, o conhecimento é ainda menor e não fazemos a mínima ideia das implicações em longo prazo.”

A presidente da Câmara Técni­ca de Medicamentos do Conselho Re­­­­gional de Medicina do Paraná (CRM-PR), Monica Kastrup, explica que o dia a dia com o medicamento não é tão agradável quanto a re­­vista Veja mostrou há algumas se­­­­manas. “Só o preço já assusta: ca­­da embalagem custa R$ 400. Além disso, ele causa náuseas, enjoo e exige cautela porque altera a quantidade de hormônios, o que pode render problemas na tireoide.”

Para ela, o medicamento virou a sensação devido a uma falsa promessa “milagrosa”. “Todos buscam uma fórmula mágica, mas é fantasioso achar que um medicamento vai fazer a pessoa emagrecer sem qualquer esforço.”

 


TAGS


<< Voltar