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A. G. Sulzberger
Em Kansas City, Missouri (EUA)
Enquanto aumenta o número de americanos que recorrem a programas do governo como refúgio da economia inclemente, cada vez mais eles encontram um novo preço para o ingresso na rede de seguridade social: um exame de urina.
Políticos de 36 estados propuseram este ano testes de drogas para pessoas que recebem benefícios como pensões, auxílio-desemprego, treinamento profissional, tíquetes de alimentação e moradia pública. Essas leis, cujos proponentes dizem que garantem que os dólares dos impostos não serão mal utilizados e cujos críticos dizem que reforçam estereótipos sobre os pobres, foram aprovadas em estados como Arizona, Indiana e Missouri.
Na Flórida, as pessoas que recebem ajuda em dinheiro da previdência social tiveram de pagar por seus próprios testes desde julho, e os pedidos de ajuda diminuíram para o nível mais baixo desde o início da recessão. A lei, que tem o maior alcance no país, provocou um processo no mês passado da União Americana de Liberdades Civis, que afirma que a exigência representa um "mandado de busca e apreensão" irracional.
A enxurrada de propostas em todo o país, permitida pela força dos republicanos em muitas assembleias estaduais e conduzida por um desejo de cortar os gastos do governo, lembra a política dos anos 1980 e 90, quando índices mais altos de abuso de drogas e referências a "rainhas da previdência" deram origem a políticas destinadas a garantir que os benefícios públicos não fossem usados para sustentar o vício.
Os defensores das políticas notam que a ajuda pública deve ser transitória e que os testes de drogas são exigências cada vez mais comuns para se conseguir empregos.
"Os trabalhadores hoje dão muito duro para pagar as contas no fim do mês, e não parece justo para eles que os dólares de seus impostos sustentem coisas ilegais", disse Ellen Brandom, uma deputada republicana do Missouri.
Nos últimos três anos ela promoveu legislação que exige testes para os beneficiários da previdência, e seu projeto foi assinado pelo governador democrata Jay Nixon em julho.
Defensores dos pobres dizem que as políticas de testes de drogas discriminam e rebaixam as vítimas da recessão, questionando a ideia de que as pessoas sob assistência social têm maior probabilidade de usar drogas. Eles também advertem que, na medida em que os programas de testes tiveram êxito e impediram que algumas pessoas recebessem benefícios, a incapacidade de conseguir dinheiro para as necessidades básicas agravaria a dependência de drogas e aumentaria as listas de espera para tratamento.
Na organização Operation Breakthrough, que oferece serviços ambulatoriais para mulheres de baixa renda em Kansas City, Nicole, 22, que pediu para ser identificada apenas pelo primeiro nome, começou a chorar quando descreveu como tentou sustentar seus três filhos com um cheque mensal da previdência de US$ 342, mais US$ 642 em tíquetes-alimentação.
Sua eletricidade fora cortada naquela manhã, ela disse, o que significava que poderia ser despejada de sua moradia subsidiada. A luta para pagar as contas enquanto tenta conseguir um diploma de assistente de saúde era tão desgastante que a simples ideia de tomar drogas parecia ridícula, ela acrescentou.
Kimberley Davis, diretora de serviços sociais da Operation Breakthrough, disse que a lei enviou uma mensagem errada. "Tudo o que ela faz é perpetuar o estereótipo de que as pessoas de baixa renda são preguiçosas, viciadas em drogas e se tudo o que elas fizessem fosse 'se picar' o país não estaria nessa confusão", disse Davis.
Muitos estados já estabeleceram maneiras de impedir que pessoas com problemas de drogas conhecidos recebam benefícios - cerca de 20 estados proíbem pagamentos de seguro-desemprego para qualquer pessoa que tenha perdido o emprego por causa do uso de drogas, e mais de uma dúzia de estados se recusam a pagar benefícios para alguém condenado por um crime envolvendo droga.
Mas, enquanto os orçamentos apertados dos estados despertaram preocupações sobre gastos do governo e promoveram a impaciência pela ajuda aos pobres, esses esforços foram ainda mais longe. Alguns apontam estatísticas federais que mostram que os adultos desempregados têm o dobro da probabilidade dos adultos empregados de ter usado drogas no último mês.
Este ano, 36 estados consideraram o teste de drogas para beneficiários de ajuda em dinheiro do principal programa de bem-estar social, Ajuda Temporária para Famílias Necessitadas, segundo a Conferência Nacional de Legislaturas Estaduais; 12 estados o propuseram para o seguro-desemprego; e alguns também consideraram tornar o teste obrigatório para receber tíquetes-alimentação, ajuda para aquecimento doméstico e outros programas.
Ao mesmo tempo, diversas cidades, incluindo Chicago e Flint, em Michigan, consideraram aplicar testes de drogas a moradores de habitação pública. Também houve propostas no Congresso para testes em nível nacional dos beneficiários da previdência.
Até hoje, a maioria das propostas não conquistou apoio por causa de preocupações sobre legalidade, derivadas de uma decisão da justiça federal que já tem uma década. Essa decisão derrubou uma lei de Michigan que exigia testes para todos os beneficiários da previdência como sendo uma violação da proteção constitucional contra busca e apreensão irracionais.
Dinheiro também tem sido um problema - os lados disputam se as economias em benefícios não pagos vão superar os gastos com o governo, incluindo o custo dos testes.
"Isso realmente demonstra como a política do momento está dominando a discussão sobre políticas na virtual ausência de qualquer evidência", disse Harold Pollack, um professor da Universidade de Chicago cuja pesquisa indicou que pessoas que recebem benefícios sociais usavam drogas em índices semelhantes aos da população em geral.
No Arizona, sob um programa de 2009 reeditado este ano, os requerentes de ajuda são testados se responderem sim a uma pergunta sobre o uso recente de drogas. Somente 16 dos 64 mil responderam sim e outros 931 não entregaram o formulário. O estado estimou que a economia em benefícios somou US$ 116 mil.
A lei da Flórida, onde o beneficiário médio recebe US$ 253 por mês durante menos de cinco meses, é mais ampla. Ela exige que os requerentes paguem seus próprios testes de droga, que segundo o estado custam até US$ 40, e o estado reembolsará os que passarem. As pessoas que falharem no teste serão desqualificadas por um ano - seis meses se receberem tratamento - e serão relatadas à linha quente de abuso da Flórida. Os pagamentos para crianças podem continuar através de outra pessoa, como um avô ou avó.
Desde julho 7.030 pessoas passaram, 32 falharam e outras 1.597 não forneceram resultados, segundo o estado. O estado diz que não rastreia quais drogas causaram as reprovações, mas em outros lugares a vasta maioria dos casos envolvia maconha.
Os dois lados aproveitaram os primeiros resultados. Os adversários afirmam que eles sugerem que o número de usuários de drogas entre as pessoas que recebem benefícios públicos é menor que entre a população geral, e os defensores dizem que eles sugerem que os usuários de drogas estão sendo dissuadidos de fazer o teste.
O declínio no número de requerentes parece ter acelerado desde que começaram os testes, segundo um porta-voz do Departamento de Crianças e Famílias da Flórida. Líderes estaduais defenderam o programa como "nada mais que um critério adicional de elegibilidade", notando que os requerentes são livres para recusar os benefícios se não quiserem ser testados.
"Para mim é muito simples: o dinheiro vai para beneficiar as crianças, e não um pai que usa drogas", disse o governador republicano da Flórida, Rick Scott, que fez campanha com base nessa proposta.
Arthenia L. Joyner, uma líder democrata no Senado da Flórida que apresentou um projeto para rejeitar a lei, disse que este não é o momento certo para essas políticas. "Existem milhões de pessoas buscando a ajuda do estado pela primeira vez porque perderam os empregos e ainda têm filhos para alimentar e contas para pagar", ela disse. "Essas pessoas agora estão sofrendo a indignidade de ter de se submeter a um teste de drogas."
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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