Reunião de Alckmin e Kassab selou uso ostensivo da PM na cracolândia

Publicado em:  16/01/2012

Apu Gomes/Folhapress
Traficantes e usuários de crack aglomerados na rua dos Gusmões, centro de São Paulo, durante a madrugada de ontem
Traficantes e usuários de crack aglomerados na rua dos Gusmões, centro de São Paulo, durante a madrugada de ontem

 

O governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o prefeito Gilberto Kassab (PSD) deram aval ao uso ostensivo da Polícia Militar na cracolândia, centro de São Paulo, em reunião no dia 1º de dezembro, no Palácio dos Bandeirantes.

Troca de e-mails e uma bateria de reuniões -uma delas com cem homens, na PM- antecederam a ação.

Alckmin e Kassab debateram com secretários da área social e de segurança medidas de combate ao tráfico, incluindo a ação policial ostensiva. Até então, eles hesitavam sobre a polícia. No governo, havia a tese de que era problema social e de Kassab.

Já a prefeitura era palco de disputa entre duas correntes. Uma delas defendia que a solução estava nas políticas sociais, mas, quatro meses depois, prevaleceu a tese, compartilhada pelo secretário Januário Montone (Saúde), de que, sem repressão policial, estariam "enxugando gelo".

O comandante-geral da PM, coronel Álvaro Camilo, defendeu janeiro, pois, com a cidade esvaziada pelas férias, seria possível destinar mais policiais para a ação.

"Definimos com outros órgãos que a operação aconteceria em janeiro", disse.

A vice-prefeita e secretária de Assistência Social, Alda Marco Antonio, exibiu o modelo de tendas para viciados. Os secretários de Saúde listaram vagas para tratamento.

No dia 29 de dezembro, o núcleo de segurança desenhou a operação. A data -terça-feira, 3 de janeiro- foi fixada pelo comandante do centro, coronel Pedro Borges.

"A ação ia começar na segunda-feira. Mas como a segunda é um dia sem véspera, porque domingo é plantão, decidi esperar mais um dia para poder conversar com a tropa", afirma Borges.

Da reunião que decidiu a data participou o presidente do Conselho Municipal de Políticas Públicas de Drogas e Álcool, José Florentino Filho. Alda foi informada nesse dia.

POLÍTICA

A definição de data e hora teve combustível político. No dia 23 de dezembro, a presidente Dilma Rousseff e o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciaram em São Paulo a participação dos movimentos sociais no plano "Crack, é possível vencer".

Atento à movimentação e sob cobrança do eleitorado, Alckmin temia que o PT assumisse a bandeira. Padilha é tido como potencial candidato ao governo em 2014.

Na prefeitura, o medo era que a União se apropriasse do programa municipal de atendimento móvel aos dependentes, hoje com 27 equipes.

Em dezembro, a gestão Dilma lançou o programa de consultórios de rua, que prevê o transporte de profissionais de saúde em uma van com a marca do governo.

A prefeitura só aderiu depois que a União abriu mão da exibição do símbolo. Até hoje, o governo federal se queixa de não ter sido informado sobre a operação.

Após críticas da Promotoria, do Judiciário e da Defensoria Pública, o governo proibiu o uso de bombas de efeito moral e balas de borracha para dispersar usuários.

PM faz craqueiros darem volta em quarteirão de rua
 

Após o veto ao uso de balas de borracha e bombas de efeito moral na cracolândia, carros da Polícia Militar organizam uma verdadeira "procissão" de craqueiros pelas ruas do centro.

Na madrugada de ontem, a Folha viu um grupo de mais de 70 usuários guiados por um carro da Força Tática dar a volta em um quarteirão e retornar para onde estavam em dez minutos.

A caminhada começou às 2h04, quando o carro se aproximou dos usuários, concentrados na rua dos Gusmões, e começou a "empurrar" os dependentes.

Poucos minutos depois, o mesmo grupo de usuários refazia o trajeto, impulsionado pelo mesmo carro.

Usuários tentavam se desfazer do controle da polícia. "Vamos espalhar! Espalha!", gritava um deles.

Ainda assim, o carro continuou orientando o movimento de uma parte do grupo. "É a procissão dos aflitos", definiu o morador de um dos prédios da rua que observava a caminhada.

José Severino Duda, 51, porteiro de um edifício próximo, diz que a ação, que se repetiu em outros pontos da cracolândia na última semana, acontece "quando a polícia está de bom humor".

Segundo Duda, a polícia costuma levar a "procissão" até a av. Duque de Caxias.

A PM disse que "faz policiamento diuturnamente na região" e que a preocupação é evitar que ocorram delitos e depredação de patrimônio, "além de manter a integridade física dos usuários e pessoas que ali transitam".

 

Cidades do interior do Estado já possuem 'minicracolândias'

Ribeirão Preto e Bauru são áreas com alto consumo da droga

 

A luz do cachimbo de crack rompe a escuridão no galpão abandonado, ocupado dia e noite por usuários da droga. Ao notar a presença da Folha, o rapaz se assusta e pergunta se é da polícia.

A cena ocorreu em uma "minicracolândia" a 313 km de São Paulo: os galpões da Ceagesp, na avenida Bandeirantes, em Ribeirão Preto.

Há consumo alto da droga em cidades como Bauru, Taubaté, Guaratinguetá e Ilha Solteira, segundo relato das prefeituras à CNM (Confederação Nacional dos Municípios). "[As minicracolândias] Existem até em cidades menores, é uma tendência se agruparem", diz o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski.

Na maioria das cidades, o consumo é pulverizado, mas em algumas há locais coletivos de consumo em praças ou próximo a cemitérios. Na Ceagesp de Ribeirão, vizinhos relatam que é possível achar grupos de até 50 pessoas.

Além de Ribeirão, as cidades de Campinas, Jundiaí, Santos, São José do Rio Preto, São José dos Campos e Sorocaba tiveram verba do Ministério da Saúde para criar consultórios de rua do crack.

Em Araraquara, há pontos de consumo na praça Pedro de Toledo, no centro, próximo ao estádio municipal e perto do cemitério, segundo o secretário municipal de Segurança Pública, Eli Schiavi.

"O crack está efetivamente esparramado no país todo. Por menor que seja, não tem cidade sem a droga", afirma.

Presidente do Conselho Municipal Antidrogas, Márcio Willian Servino diz que houve ações para dispersar os dependentes dos pontos coletivos de consumo. "Mas o usuário migra facilmente."

O problema atinge até cidades como Dumont, de apenas 8.143 habitantes. O consumo é esparso, mas pode ser visto na "Baixa", uma pequena favela, disse o delegado George Theodoro Ary.

 

Abrigos do Rio recebem crianças da cracolândia

Especialistas criticam internação compulsória, que chega ao 8º mês

Desde o início da operação, já foram acolhidos 483 menores; no momento, quatro abrigos recebem 118

P., 14, não tinha forças para comer sozinho há cerca de uma semana. L., 12, traz na pele as marcas dos tiros de uma arma de paintball disparados como punição de um traficante por um roubo.

Os dois fazem parte dos 28 meninos recolhidos em cracolândias que hoje vivem no abrigo Ser Criança, um dos quatro que recebem usuários desde que o Rio adotou a internação compulsória de crianças e adolescentes.

A medida, polêmica, está no oitavo mês. No momento, há 118 jovens sob abrigo, e 17 completaram tratamento e foram reintegrados às famílias.

Desde o início das operações, foram feitos 2.849 acolhimentos de adultos e 483 de menores. A maioria dos adultos volta para as ruas.

As crianças são submetidas a avaliação psiquiátrica. Aquelas em situação crítica são levadas para internação compulsória. As demais são mandadas para casa, após aviso ao Conselho Tutelar.

O secretário de Assistência Social, Rodrigo Bethlem, diz que a ação reduziu o número de menores nas cracolândias, mas reconhece que muitos correm o risco de voltar.

A permanência nos abrigos foi pensada para durar três meses, mas tem se estendido. Em média, cada interno custa R$ 3.000 por mês.

Segundo a coordenadora do Ser Criança, Vatusy Moraes, costumam chegar agressivos. Após avaliação, muitos são medicados. O psiquiatra os vê duas vezes por semana.

Eles têm à disposição sinuca, piscina e TV. As saídas são permitidas apenas em passeios com funcionários ou visita à família, como parte do processo de reintegração.

Nenhum frequenta a escola, apesar de manifestarem interesse em estudar. O abrigo espera ter aulas no local.

O longo período consumindo drogas também minou algumas referências de vida. A., 17, diz estar no abrigo há seis dias. A coordenadora corrige: já são sete meses.

O abandono se reflete em carência e desconfiança.

"Eles foram muito rejeitados. Ninguém na rua vai abraçar um menino desses, dar bom dia", justifica Moraes

CRÍTICAS

A internação compulsória é criticada por especialistas, para quem a boa vontade é importante no tratamento.

A psicóloga Sabrina Bonfatti, do Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente, defende a criação de vínculos de confiança com a criança, trabalhando na redução de danos e na importância do tratamento.

Na ONG coordenada por ela, os usuários têm atividades físicas, oficinas de grafite e assistem a palestras.

Rodrigo Bethlem diz não acreditar em redução de danos com o crack.

 

Coronel Pedro Borges foi quem definiu operação

Foi o comandante da PM na região central, coronel Pedro Borges, 51, quem definiu a data e o horário de início da operação policial na cracolândia.

No dia 2 de janeiro, ele reuniu cem homens de dois batalhões da PM em uma sala de aula e informou que a operação começaria no dia seguinte.

Na época, o comandante-geral da PM, coronel Álvaro Camilo, estava em férias. Disse que só soube da ação no dia em que ela começou. Apesar da surpresa, apoiou a decisão do subordinado e disse que a ação está dentro do planejado pela cúpula da Segurança Pública paulista.

 

Internação é criticada por especialistas

Toda semana, a Secretaria Municipal de Assistência Social vai a cracolândias, acompanhada da polícia, em busca de usuários.

Na última quarta, 80 adultos e 8 crianças foram recolhidos na favela do Jacarezinho, na zona norte.

Alguns reagiram. Uma menina mordeu a delegada e foi levada à força.

A ação é criticada por especialistas, para quem a boa vontade é importante para o tratamento. Há quem veja na medida um caráter "higienista".

Para a psicóloga Sabrina Bonfatti, do Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente do Rio, a política em curso está "enxugando gelo".

Ela defende a criação de vínculos de confiança com a criança, trabalhando na redução de danos e na importância do tratamento.

Na ONG coordenada por ela, usuários participam de palestras sobre a importância de não compartilhar cachimbos. Aos poucos, dão informações que permitem localizar as famílias e trabalhar na reintegração.

"No tempo que passam com a gente não estão se drogando ou furtando."

Rodrigo Bethlem diz não acreditar em redução de danos com crack. "Abrimos um abrigo e o índice de sucesso foi zero".


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